Paulo Portas, o aprendiz de Maquiavel, das tias e peixeiras,
submergiu num dos seus submarinos para apenas quatro dias depois voltar à tona,
depois de quase nos levar ao fundo. Nele, por estes dias pudemos detectar cristalinamente
os sete pecados mortais, que a um pecador levaria às labaredas do Inferno, mas
a um político rasteiro, no auge do seu cinismo levará quiçá a S.Bento ou Belém. Nele saltam
perturbantemente a luxúria do poder,
narcísica forma de existir num partido que pelos vistos é só ele e os seus
clones e a lascívia posta no seu exercício; a gula por cargos, prebendas e a
captura do Estado pelos seus jotinhas populares e apaniguados salivantes; a
avareza em partilhar o poder que lhe caiu nos braços, avaro ele em
solidariedade com os pares, os contribuintes e os portugueses; a ira,
silenciosa e silenciada em pedidos de demissão armadilhados, revogáveis
momentos de pantomina e reserva mental; a soberba, afirmada na convicção de pôr
um país pasmado uma semana em seu redor, com golpes de vaidosa mestria do
pequeno Metternich do Caldas; a vaidade, o Eu omnipresente e a afirmação do seu
partido unipessoal e de irresponsabilidade ilimitada; a preguiça em ouvir os
outros, as vozes dissonantes, os críticos humanóides e sem visão, essa massa
ululante a que chamam povo, tirando uma ou duas peixeiras e uma ovelha na
Ovibeja;
Face ao descrédito a que a política chegou, sobretudo depois
da ópera bufa da semana, chegámos ao grau zero da política, afirmada hoje como
repositório de tudo o que a natureza humana tem de pior. Os partidos
tornaram-se corporações de interesses e sindicatos de lóbis, divorciados da
sociedade e agarrados a dogmas, capelas e clientelas, e aqui incluo os da
esquerda dita anti-sistema, no fundo também ela em busca de um sistema,
diferente, mas sistema.
Toda a nossa cultura e praxis política carece de ser
alterada, a começar nas mentalidades, algo difícil, pois até os jovens que se
envolvem na política acabam por corporizar e encaixar no discurso dominante e
suas representações formais, reproduzindo tiques e mimetismos das gerações
anteriores e promovendo a cultura de facção, apesar das novas roupagens e
recursos supostamente irreverentes e modernos, mas no fundo em tirocínio para
mais do mesmo.
A causa para este estado comatoso deve ser procurada
essencialmente na sociedade blindada e supérflua em que nos tornámos, atávica
no maniqueísta apontar dos bons e dos maus, reduzindo a política a um
fait-divers ou concurso de simpatias. Tudo espectáculo, e contudo, com total
ausência de discussão das escolhas ou real debate de ideias, se é que ainda há
ideias, mortos que estão os Ideais.
A sociedade portuguesa é avessa e diletante no que a um profundo
e cirúrgico debate de ideias efectivamente respeita, deixando o debate político
nas mãos de dois ou três grupos de media politicamente engajados e veiculando
uma opinião publicada nem sempre traduzindo a verdadeira opinião pública,
permeável ao tilintar de sound bites
e chamando política às folclóricas arruadas que anunciam a chegada do circo à
cidade. Daí que, instalado e larvar, o novo rotativismo vá secando o país que
pensa, que tem ideias, que quer inovar, qual eucalipto invasivo neste pinhal à
beira-mar plantado, capturado pelos rituais tribais, a emulação dos chefes, a
domesticação dos conversos e a frenética venda de realidade virtual. Esse país
continua por aprofundar, com ou sem eleições, e só quando o ciclo das claques
sem cérebro se esgotar (se alguma vez se esgotar) e todos, transversalmente, oriundos
daquilo que até há pouco se chamava
esquerda e direita reflectirmos seriamente sobre o que somos e queremos,
poderemos começar então a tentar mudar este país na sua essência, forças e
fraquezas, para lá da mera troca de rostos e protagonistas. Tarefa difícil,
porém aquela que vale a pena perseguir, por difícil ou ciclópica que seja.
Como amarga cereja neste bolo podre de vaidades, interesses,
minudências e traições, hoje como ontem, Paulo Portas, vitorioso regressado de Elba depois
da Batalha dos Três Dias. Quem sabe, talvez haja um dia o exílio em Santa Helena…
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