quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Brisas dum Outono outro


Embalado pelo lento torpor outonal que anuncia o  virar de ciclo da estiagem sonolenta para o ritual despir das árvores, lembro junto à  velha roseira do jardim memórias da infância de veraneante burguês,  com toldo ao mês na Praia das Maçãs e nêsperas suculentas nas árvores da velha quinta.
Lembro o café do Alcino, durante décadas pensão e café, onde muitos de nós assistimos às tertúlias nocturnas de Agosto, quando as famílias da capital vinham a banhos,e se assistia aos shows de ilusionismo do Xaimix, Merlin de aldeia que fazia chover moedas das nossas orelhas  e, onde  durante o  Mundial de Inglaterra, se chegou a pagar para assistir aos jogos, numa das primeiras televisões que por lá apareceram,  abaulada e com falhas regulares na ligação á Eurovisão, enquanto se bebia um “pirolito” ou uma Laranjina C.
E havia o Salão, com cinema e teatro (cinco escudos dois filmes),e os matraquilhos "ao perde paga",e apanhavam-se enguias no rio, e tocava-se viola e ficava-se na conversa até ás 5 da manhã encostados aos muros das casas, até que os galos da manhã cantavam e finalmente  um sono confortante nos esperava. Era um mundo imutável,  previsível, aconchego de certezas e promessas de felicidade renovada a cada Verão. E assim passaram anos, e décadas, e a sépia virou cor, as televisões viraram  rectangulares e os toldos ao mês mudaram para Sul.
Como parecia longa a viagem de 3 horas entre Lisboa e Sintra, por dentro da Amadora e Massamá (ainda sem prédios),e os carros da Sintra Atlântico e do Eduardo Jorge, os pêssegos gigantes e as maçãs reinetas, e as noites cacimbadas a falar de tudo no velho café do Alcino, inventando peças de teatro que depois se gravava altas horas da noite em bobinas de fita.
Um dia chegou um tempo novo, madrugada dita redentora, e as árvores viram chegar  novos personagens, novos sons, cartazes nas paredes, caseiros que agora também se sentavam na mesa dos “senhores de Lisboa”.Várias luas e sóis passaram, as mesmas árvores e ventos renovaram a sua magia todos os anos, e  de novo cá esperamos, como se da primeira vez se tratasse, mais um Outono intruso mas familiar, com a brisa leve vinda desse mar oceano soprando sobre a velha casa cheia de mundos idos e outros ainda a vir.Alguns partiram entretanto, mas continuo a ouvir a voz dizendo que o jantar está pronto, e acorro, neste e em todos os outonos até ao fim.

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