Fala-se muito agora da responsabilidade criminal (ou não) do presidente e membros do Governo regional da Madeira no que à omissão de informações respeitantes às dívidas e défice concerne, bem como ao endividamento excessivo.
Está em vigor desde Julho de 1987 a Lei n 34/87, de 16 de Julho, que, com diversas alterações -a última através da Lei 41/2010 de 3 de Setembro- sanciona os crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos cometidos no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos. Consideram-se praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos como tais previstos nessa lei, os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres. A alínea g) do artº 3º considera cargos políticos os membro dos órgãos de governo próprio de região autónoma.
A pena aplicável aos crimes cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções e qualificados como crimes de responsabilidade nos termos dessa lei será agravada de um quarto dos seus limites mínimo e máximo, bem como poderá ser especialmente atenuada quando se mostre que o bem ou valor sacrificados o foram para salvaguarda de outros constitucionalmente relevantes ou quando for diminuto o grau de responsabilidade funcional do agente e não haja lugar à exclusão da ilicitude ou da culpa, nos termos gerais.
Aparentemente, as acções ou omissões cometidas pelo presidente ou membros do governo regional da Madeira podem em abstracto e uma vez provadas, consubstanciar a prática de um crime previsto no artº 14º:
O titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole:
a) Contraindo encargos não permitidos por lei;
b) Autorizando pagamentos sem o visto do Tribunal de Contas legalmente exigido;
c) Autorizando ou promovendo operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas por lei;
d) Utilizando dotações ou fundos secretos, com violação das regras da universalidade e especificação legalmente previstas;
será punido com prisão até um ano.
E desenvolve o artº26º:
1 - O titular de cargo político que abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outrem, será punido com prisão de seis meses a três anos ou multa de 50 a 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Incorre nas penas previstas no número anterior o titular de cargo político que efectuar fraudulentamente concessões ou celebrar contratos em benefício de terceiro ou em prejuízo do Estado.
Decorre do artº 31º que:
“Implica de direito a respectiva demissão, com as consequências constitucionais e legais, a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares de cargos políticos de natureza não electiva:
c) Presidente de governo regional;
d) Membro de governo regional;
À instrução e julgamento dos crimes de responsabilidade de que trata essa lei aplicam-se as regras gerais de competência e de processo, com as especialidades constantes dos artigos seguintes. E dispõe o artigo 39º:
“Movido procedimento judicial contra membro de governo regional pela prática de qualquer crime, e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, o processo só seguirá os seus termos no caso de ao facto corresponder pena maior, se o membro do governo for suspenso do exercício das suas funções.
Nos crimes a que se refere a lei têm legitimidade para promover o processo penal o Ministério Público, e ainda, sem prejuízo do especialmente disposto:
a) O cidadão ou a entidade directamente ofendidos pelo acto considerado delituoso;
b) Qualquer membro de assembleia deliberativa, relativamente aos crimes imputados a titulares de cargos políticos que, individualmente ou através do respectivo órgão, respondam perante aquela;
c) As entidades a quem incumba a tutela sobre órgãos políticos relativamente aos crimes imputados a titulares do órgão tutelado;
d) A entidade a quem compete a exoneração de titular de cargo político, relativamente aos crimes imputados a este.
Há pois, querendo, um quadro legal, para além do político, para proceder e sancionar. E quando se assiste à confissão em directo dos factos, à confissão de reserva mental e premeditação, ao crime continuado, com a agravante de não poder invocar o desconhecimento da lei ou as reais obrigações internacionais a que a República portuguesa está vinculada, sabendo-se que pelo menos desde 2004 que tal ocorre, tirem-se as ilações. Não procede dizer que foi legítima defesa, pois nenhum ataque foi perpetrado senão o de obrigar à transparência e cumprimento de normas quanto ao limite do endividamento aplicáveis em todo o território nacional, num quadro em que a lei antes de entrar em vigor foi objecto de auscultação dos governos regionais. E falsear ou omitir informações não decorreu de nenhum estado de necessidade, mas do medo que a transparência poderia trazer à concretização de negócios em contravenção legal e contra a fiscalização de entidades de controlo (Tribunal de Contas, Ministério das Finanças, Instituto Nacional de Estatística, etc).
Refira-se que além da responsabilidade criminal ocorrem já obrigações decorrentes da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei 91/2001 e suas alterações) aprovada pelo Governo Durão Barroso, sendo Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças, aplicável às Regiões Autónomas por via do seu nº5 do artº 2º, que nos seus artigos 68º a 70º consagra a responsabilidade pela execução orçamental, conferindo poderes ao Tribunal de Contas nesse âmbito com vista à responsabilização dos titulares de cargos políticos faltosos, entre eles os das Regiões Autónomas. A alínea b) do artº 68º é clara quanto à obrigação de informar sobre a dívida contraída, e lapidar no artº 87º ao dispor:
“(…) a lei do orçamento estabelece limites específicos de endividamento anual das (…)Regiões Autónomas (…) compatíveis com o saldo orçamental calculado para o conjunto do sector público administrativo”.
É claro que o caso particular de Jardim esbarra igualmente em escolhos colocados pelo legislador provavelmente numa lógica de auto-protecção: o Parlamento Regional tem de autorizar que responda, e sendo por inerência conselheiro de estado, este orgão de consulta do PR também.
Lei há, porém, e enquadramento legal também. Vontade política? A ver vamos. Para este ou outros casos, sejam quem for os visados. Portugal tem boas leis, muitas avançadas até. Falta levá-las à prática, sob pena de nos tornarmos um simulacro de democracia e um mero Estado de Direito semântico…