Há dias convidaram-me para uma tertúlia na qual o tema seria precisamente se ainda haveriam hoje tertúlias. Por motivos familiares não pude participar, mas não deixei de refletir sobre o tema.
Na tradição portuguesa, as tertúlias mais conhecidas tiveram o aliciante de juntar, geralmente em cafés, personalidades que, sem critério determinado, iam discorrendo sobre a política, as artes, os ódios e as paixões de estimação, sendo que algumas deixaram rasto, como a da Brasileira, do Nicola e do Café Gelo, em Lisboa, ou a do Magestic, no Porto, e onde entre um café ou um brandy se deitavam governos abaixo, se fustigavam os inimigos e os rivais ou comentavam as novidades locais ou vindas de fora. Eram catedrais do livre pensamento, vivo e vibrante, onde nasceram muitos debates, se prepararam os jornais do dia seguinte, ou, no período da ditadura, se vociferava baixinho contra o regime. Em Sintra, até há poucos anos tivemos igualmente o exemplo dos Meninos d'Avó, por inspiração do desaparecido Jorge Telles de Menezes, e onde a poesia e o debate marcavam presença regular, num registo infelizmente descontinuado.
A magia das tertúlias sempre foi não terem uma agenda ou encontro marcado, atraindo pelo prazer de frequentar o espaço, a procura de cumplicidades, ou tão só ouvir e fazer-se ouvir, num cenário marcado pelo álcool e pelo fumo, muito ao estilo do filme noir francês. Quantos poemas, epístolas ou discursos não começaram em guardanapos de papel entre duas bicas ou um copo de vinho, num ambiente dominado por um espírito peripatético, ao estilo aristotélico de refletir sem agenda ou mote condutor?
As redes sociais mataram o espírito da tertúlia, substituída pelos podcasts, a venialidade hedonista do Instagram ou Tik Tok ou a sarjeta do ex-Twitter. Hoje importam menos as convicções ou o debate esvoaçante,e mais o número de seguidores, a reflexão com número de carateres limitado e resumido a slogans e lugares comuns recolhidos na opinião publicada ou matraqueada nas televisões, onde pululam políticos travestidos de comentadores e influenciadores do fútil, efémero e banal. Por isso, sim, as tertúlias esfumaram-se, por entre a boquilha de Natália Correia, a aguardente de Pessoa ou o cigarro do Almada, e o Nós foi devorado pelo Eu, tudo se desvanecendo entre um inebriante cheiro a nicotina.