quarta-feira, 25 de maio de 2022

Gonçalo Ribeiro Teles: 100 anos



Se fosse vivo, o arquiteto Gonçalo Ribeiro Teles, figura emblemática das políticas de ambiente e ordenamento do território em Portugal faria hoje 100 anos.

Em 28 de Abril de 2012 esteve entre nós, e participou no colóquio promovido pela Alagamares em defesa das árvores de Sintra na Sociedade União Sintrense, tendo produzido uma intervenção que em todos os presentes deixou marcas. Ribeiro Telles lembrou então ser a eco indispensável ao desenvolvimento, ironizando ter sido por a ter descurado “sido o homem expulso do paraíso”. “Vivemos na era do Caos”, referiu então, “o que dificultou a potencialidade da fixação”. Segundo ele, são os países que garantem a biodiversidade os que mais têm potencialidade de segurança, tendo sido a compartimentação dos espaços agrícolas o que permitiu o desenvolvimento da civilização actual.”Garantir um contínuo verde através das cidades, deveria ser um mandamento do planeamento na luta contra o caos e distribuição especulativa do território”, enfatizou então.” Continuamos no tempo da mancha, e não do desenho do paraíso”, vincou nessa sessão, referindo-se à visão fragmentada que os instrumentos de gestão territorial fazem de realidades amplas e interligadas.

O arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles foi distinguido com o ‘Nobel’ da Arquitetura Paisagista, o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe. Nascido em Lisboa, a 25 de Maio de 1922, Ribeiro Telles licenciou-se em Engenharia Agrónoma e formou-se em Arquitetura Paisagista, no Instituto Superior de Agronomia, onde iniciou a vida profissional como assistente e discípulo de Francisco Caldeira Cabral, pioneiro da disciplina em Portugal, no século XX. São da autoria de Ribeiro Telles, entre outros projetos, o Corredor Verde de Monsanto e a integração da zona ribeirinha oriental e ocidental na Estrutura Verde Principal de Lisboa. Gonçalo Ribeiro Telles também é autor dos jardins da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, que assinou com António Viana Barreto (Prémio Valmor de 1975), e dos projetos do Vale de Alcântara e da Radial de Benfica, do Vale de Chelas, e do Parque Periférico, entre outros. A Alagamares curva-se respeitosamente perante a sua memória.


segunda-feira, 9 de maio de 2022

A Europa no seu labirinto

 



Hoje, 9 de maio, assinala-se o Dia da Europa. Uma Europa errática, como uma barata tonta, acossada pelo Brexit, o populismo eurocético e as pressões duma América ambivalente e duma China expansionista.

Sonhada por entre as ruínas fumegantes da II Grande Guerra, a Europa cresceu, e ao crescer, mudou, na medida em que mais países entraram na União Europeia e o projeto dos Estados Unidos da Europa paradoxalmente se distanciou cada vez mais. O que parecia possível na Europa dos Seis, tornou-se pirrónico com os alargamentos para Sul, Norte e Leste.

A crise do euro posterior a 2008 tornou visíveis as contradições da Europa. Querendo-se ou não, a Alemanha é, com os seus recursos e capacidades, o único país que pode manter a coesão da Europa heterogénea e ameaçada por forças centrífugas. Na Europa, tem a possibilidade de manter a coesão na União Europeia, e no mundo, tem de cuidar para que a economia europeia não seja marginalizada através da ascensão da Ásia. Mas não seria isto, na verdade, uma tarefa das instituições europeias? Não foram tais instituições, principalmente o Parlamento, fortalecidas nos últimos anos, para assumir essas tarefas, nomeadamente depois do Tratado de Lisboa? O que resultou foi exatamente o contrário. Valorizado anteriormente, o Parlamento Europeu não desempenhou praticamente nenhum papel no apogeu da crise do euro, ficando as decisões a cargo das reuniões intergovernamentais, e a "cabeça" da UE dividida entre a Comissão e o Conselho Europeu. Uma coisa parece ser certa: estão a ser as crises que indicam se as instituições são robustas ou não. E nas crises atuais, de que ressaltaram a saída da Grã-Bretanha, os populismos com ou sem colete, a pandemia, a guerra a leste e  a crise dos refugiados, as instituições europeias mostram-se titubeantes e sobretudo reativas mais que liderantes, e dissonantes. Talvez porque elas foram criadas a pensar no “funcionamento normal” da Europa enquanto não surgissem grandes problemas e as questões pudessem ser resolvidas em consenso.

Estamos perante uma Europa em cadeira de rodas e comatosa, um bordel espanhol e uma quinta com muitas raposas dentro do galinheiro, onde cada país procura apenas um cheque para ir ao banco e conspira minutos depois de celebrar consensos virtuais nos Conselhos Europeus.

O Hino à Alegria soa riscado, e a querer puxar para o Anel dos Nibelungos, é a tensão entre Beethoven e Wagner, esvoaçando em Bruxelas  atarantadas valquírias.


domingo, 8 de maio de 2022

Ser e Parecer

 


O maniqueísmo do preto e branco que tem marcado a questão da Ucrânia leva a situações delirantes e preocupantes no que à verdade concerne e quanto ao (não) funcionamento do nosso Estado.

Primeiro, o delírio russofóbico que se apossou da comunicação social nacional, onde cada russo é hoje um espião do Kremlin, e ser amigo ou simpatizar com algum deles, ainda que opositor de Putin é motivo para suspeição, escamoteando-se o facto de muitos ucranianos sobretudo do leste serem russófonos e quererem a integração na Rússia, onde, diga-se de passagem, sempre estiveram integrados desde o período dos czares até aos anos noventa, com poucas exceções no período entre a Revolução russa e a organização da U.R.S.S. por Lenine nos anos vinte.

Depois, a falta de escrutínio dos factos, tidos como verdades absolutas, desempenhando os poucos jornais de referência um papel muito semelhante ao dos tabloides. Onde estão os ucranianos que se sentiram intimidados? Onde está e porque não é entrevistado o tal Igor, tão poderoso agente do Kremlin, assim se cumprindo o dever do contraditório? Se quem diz monitorizar o tal senhor desde 2014 não o achou perigoso até hoje, porque havia a Câmara de Setúbal desconfiar do mesmo, quando a sua associação até tinha recebido subsídios aprovados por unanimidade? Então e Gondomar, Aveiro, e as outras câmaras?

Tudo isto está enviesado, e o mais triste é que só quando um jornal lança uma notícia é que os políticos sem ideias e sem agenda fazem dele logo, indignados, motivo para uns dias de soundbite até cair no esquecimento e outro tema vir a ocupar as notícias e os comentadores que sempre souberam tudo aquilo que até lá não sabiam.

Se vivemos no tempo das fake news, certo é que vivemos também num tempo em que pouco se para para pensar e tudo é preto ou branco consoante as agendas, os egos e os interesses.

Factos certos são um país ter sido invadido por outro sem razão legal ou moral, milhares morrerem ou estarem deslocados, e o jogo de bastidores dos negócios de armas, petróleo e alimentos comandarem os destinos do mundo nas mãos dum Dr. Strangelove real e próximo. O resto carece de visão para lá da árvore e compreensão pela floresta, sem que nos não deixemos enganar por aqueles que em várias posições manobram atrás do arbusto.