A Paisagem Cultural de Sintra,
aprovada a 6 de Dezembro de 1995, em Berlim, celebrou recentemente o seu vigésimo aniversário. Na promoção e defesa deste
património, dos monumentos e sítios classificados, hoje já com resultados
visíveis, há que continuar um trabalho efectivo, juntando cidadãos, associações
cívicas, técnicos e moradores. Só se pode acarinhar uma ideia como a de
Paisagem Cultural se esta assentar em consensos e for perspectivada como
instrumento de desenvolvimento para quem habita no seu seio, e não como o
eucalipto que tudo seca e põe a comunidade contra si. Não há paisagem cultural
sem pessoas, e não há gestão bem sucedida sem consensos, e a melhor forma de
gerar cultura entre os cidadãos passa por estes conhecerem o seu próprio
património, pois só se pode valorizar o que se conhece.
Exige-se cada vez mais cumplicidade e
compromisso do mundo científico e da sociedade civil na melhoria da nossa
Paisagem Cultural, na garantia da sua sustentabilidade, sendo a participação
cívica das comunidades locais elemento fundamental para um desenvolvimento das
áreas classificadas, envolvendo em permanência os stakeholders e os parceiros
da sociedade civil na construção de uma Paisagem Cultural pró-activa.
Vinte anos depois, com um quadro
institucional e financeiro definido, a recuperação de muito património em
risco, e a melhoria da articulação entre as entidades que estão no terreno, há
que trabalhar para melhorar os procedimentos e acelerar as decisões. Para
tanto, foi pela CMS aprovada a criação da Área de
Reabilitação Urbana, com cerca de 180 hectares. Sintra
passou a integrar igualmente, desde há alguns anos, a Aliança das Paisagens
Culturais, uma rede internacional que procura preservar os espaços declarados
Património da Humanidade pela UNESCO, e que são hoje mais de 60.
Em
2008, a Aliança produziu a Declaração de Aranjuez, na qual os sítios
classificados expuseram as suas inquietações e analisaram a necessidade de
compatibilizar a preservação dos lugares com um adequado desenvolvimento
económico e social das terras e gentes em seu torno.
Ser
Património da Humanidade implica a cumplicidade e o compromisso de todos,
autarcas, comunidade científica, sociedade civil e stakeholders, na
melhoria da Paisagem Cultural e na garantia da sua sustentabilidade, e apela à
participação cívica das comunidades locais, enquanto elemento fundamental para
o desenvolvimento sustentável das áreas classificadas. Traduz este anseio o
reconhecimento e a verificação da necessidade duma cultura democrática de
participação e transparência na gestão da Paisagem Cultural.Daí
terem a Câmara de Sintra
e a sociedade Parques de Sintra-Monte da Lua (PSML) assinado um protocolo para
a criação do Gabinete do Património Mundial, para acompanhamento e
monitorização da área classificada como Património da Humanidade, visando promover
a aproximação entre os interessados na zona classificada através do debate de
ideias sobre a gestão e a reabilitação do património.
O
acompanhamento das intervenções de entidades públicas e privadas na área de
protecção da Paisagem Cultural e a promoção de estudos científicos e técnicos
serão outras atribuições do gabinete, indo esta estrutura acompanhar os
impactos e os resultados do plano de acção do Plano de Gestão, e proceder à
avaliação das ameaças permanentes e riscos da zona classificada. O gabinete
ficará também incumbido de avaliar as alterações das condições e o estado de
conservação dos bens, através de relatórios periódicos, com base em informações
anuais, e de elaborar um manual de monitorização, revestindo as suas recomendações
à câmara e à PSML carácter consultivo e informativo, não se substituindo às
atribuições e competências legais dos serviços, organismos e entidades envolvidas.
A
criação de um gabinete da Paisagem Cultural era uma já antiga recomendação da UNESCO, desde 2005, na sequência de diversas missões técnicas
para avaliar o estado de conservação da zona classificada de Sintra, sendo que
a autarquia e a PSML assumiram em 2010 a revisão do plano de gestão da Paisagem
Cultural, a partir de sugestões de peritos da IUCN (União Internacional de
Conservação da Natureza) e do Icomos (Conselho Internacional de Monumentos e
Sítios).
Desde
2006 que a UNESCO considera não existirem motivos para inscrever Sintra na
lista de património mundial em perigo, dada a recuperação desde então ocorrida
na zona "inscrita" (parte da serra e da vila). Há, contudo, que
continuar a zelar para que se evite o risco dum crescimento urbanístico não
planeado nas zonas "tampão" (da serra até ao mar) e de
"transição" (que inclui a área do Parque Natural Sintra-Cascais).
O
caminho passa por aos poucos ir modelando uma entidade que
supervisione toda a designada área da Paisagem Cultural de Sintra classificada
como Património da Humanidade, a ela estendendo as competências de
fiscalização e licenciamento agora distribuídas pela autarquia de Sintra e pelo
Parque Natural de Sintra-Cascais, entidades que se atravessam em muitas e
desnecessárias situações, o que poderia passar pelo alargamento do objeto
estatutário dessa empresa e pela consignação da Área de Paisagem Cultural como
área recortada no PDM de Sintra.
À
Parques de Sintra-Monte da Lua compete não só a boa gestão e optimização dos
recursos que lhe ficam adstritos, como a prossecução de uma política de
investimentos e obtenção de receitas que conjugue as necessidades operacionais
com o direito à fruição e gozo dos mesmos espaços e equipamentos. Mas de forma
moderada, e sem derivas economicistas, pois se o óptimo é inimigo do bom,
essencial se torna não esquecer que sem visitantes não há receitas, e sem
receitas não há recuperação do património.
A UNESCO vem afirmando que a pressão
turística tem sido controlada com a diversificação de locais e centros de
interesse, e novos circuitos, melhor distribuição dos
visitantes, tendo sugerido igualmente a recuperação de outros edifícios dentro
do parque da Pena, bem como a criação de uma escola para jardineiros ou um museu
explicativo dos sistemas de irrigação da serra de Sintra. Tem também recomendado que
as comunidades locais se envolvam mais na gestão da área classificada, e que os proprietários e as associações locais -os designados stakeholders - sejam consultados com
regularidade.
A
gestão dos parques e jardins requer o apoio de escolas de conservação
especializadas similares às que já existem para o património edificado, com
trabalho de investigação. Houve porém uma mudança de paradigma na gestão da
"jóia da coroa", com a filosofia de "abrir para obras"
acompanhando as recuperações em curso, o que é internacionalmente aconselhado, já se
tendo verificado no caso do Chalé da Condessa ou no castelo dos Mouros, tendo o
diálogo com a sociedade civil e os stakeholders
dado passos importantes. Mas tudo é um work in progress, e permanecem por resolver questões importantes,
como o do acesso de visitantes, coartado ainda por constrangimentos no trânsito e
estacionamento, sobretudo os que se deslocam em carro ou autocarro, ou o elevado custo dos bilhetes para visitar os monumentos
geridos pela Parques de Sintra, como o arqueólogo Luís Raposo recentemente
salientou, em artigo no Público.