Na
literatura e cultura portuguesas Sintra aparece com frequência na pena de
poetas, estudiosos e visitantes. Já Camões dela fala em Os Lusíadas (Já a vista,
pouco e pouco, se desterra/Daqueles pátrios montes, que ficavam/Ficava o caro
Tejo e a fresca serra/De Sintra, e nela os olhos se alongavam/ Ficava-nos
também na amada terra/O coração, que as mágoas lá deixavam/E já despois que
toda se escondeu/ Não vimos mais, enfim, que mar e céu) e também Francisco
de Holanda, Crisfal, Luísa Sigêa, Gil Vicente ou Sá de Miranda se mostraram
atraídos pela sua serra lunar. É porém no período romântico que por influência
dos poetas do lago e sob influência de viajantes como Beckford, Byron, Hans C. Andersen
ou Lady Jackson que Sintra irrompe
como local incontornável, e a prová-lo, as obras de Gomes de Amorim, Almeida
Garrett, Eça de Queirós ou Castilho. E no século XX, Almada e Pessoa, Nunes
Claro, Oliva Guerra, Francisco Costa, M. S. Lourenço. E vivos ainda, Maria
Almira Medina, Liberto Cruz, Miguel Real, Sérgio Luís Carvalho, Filomena Marona
Beja, Jorge Telles Menezes, Raquel Ochoa.
Pode
dizer-se que a presença de Sintra nestes autores é muitas vezes incidental:
meras sete linhas no Child Harold’s
Pilgrimage de Byron ou umas frases soltas em Andersen, um percurso de
Chevrolet em Pessoa ou os olhos de um gigante em Almada, o Lawrence e as pipas
de Colares no Eça, a introspecção de sentimentos em Francisco Costa, Maria
Almira ou Nunes Claro. Mas também na Casa Branca de Jorge Menezes, nos seus Novelos de Sintra, na chegada a Lisboa,
avistando a Roca, do Julinho de A Voz da
Terra de Miguel Real, no Anno Domini
1348 e os dramas do tabelião João Lourenço, de Sérgio Luís Carvalho, nos
dramas sociais na Messa de finais do século XX de Bute daí Zé! de Filomena Marona Beja. Será isto suficiente para
assinalar a existência de uma literatura de Sintra, ou serão afinal meros
apontamentos de Sintra na literatura?
Em Sintra, a
literatura é sobretudo apologética de um espaço cénico predominante, seja para
lhe exaltar a paisagem, as plantas, as lendas e mistérios, seja como
complemento de histórias com outras geografias, local para escapadelas dos dandys de Lisboa com suas Lolas
espanholas, no século XIX, e igualmente refúgio esporádico de outros mais
recentes (José Gomes Ferreira, Mário Dionísio, Vergílio Ferreira, etc).
Há porém os
publicistas e historiadores, esses sim mais perenes: do Visconde de Juromenha a
João António Silva Marques, de José Alfredo Costa Azevedo a Vítor Serrão,
Cardim Ribeiro, João Rodil ou Teresa Caetano, Luciano Reis, Eugénio Montoito,
Samuel Vicente, Jorge Trigo, Hermínio Santos, Almeida Flôr ou Carlos Manique da
Silva, a quem a investigação e estudos sintrenses muito devem, e hoje sem um
espaço de divulgação permanente, depois das efémeras experiências da Vária Escrita e da Sintria. E os autores de teatro: Nuno
Vicente, João de Mello Alvim, José Sabugo, Rui Mário, Rui Brás entre outros, e
novos poetas, como Bruno Vitória ou Filipe Fiúza. E pintores, arquitectos,
analistas sociais, criadores de multimédia, programadores e facilitadores
culturais.
A divulgação
destes autores, obras e eventos tem sido nos últimos anos feita de forma
avulsa, descontextualizada e sem grande visibilidade por parte das entidades
oficiais, ou entregue à sociedade civil, com destaque para associações como a
Alagamares, ou a revista digital Selene-Culturas de Sintra. Nesse contexto,
pergunta-se: e porque não ressuscitar o Instituto de Sintra, que aborde as
obras e a idiossincrasia dum espaço incontornável e marcante, eventualmente em
moldes diversos dos experimentados algumas décadas atrás? Falta um Espaço a
este Tempo, uma tribuna, um areópago, um poiso de ideias e repositório da
inteligência local, multicultural e heterogénea, unidade pela diversidade de
opiniões e saberes, mas aglutinadora da sua intersecção matricial, esta Sintra
que muitos cantam e a muitos desencanta. Para que, como dizia Camões, citado no
início deste texto, se guardem as mágoas que lá ficam.
Enérgico nos
anos 40 e 50, com Oliva Guerra, José Alfredo ou José António de Araújo, em
tempos houve o Instituto de Sintra, que pela segunda vez renasceu em Maio de
1983, com António Pereira Forjaz como presidente e Francisco Costa como
presidente da Assembleia Geral, e foi sob sua égide que se realizou, por
exemplo, o saudoso congresso sobre o Romantismo, e desenvolveram eventos e
iniciativas que não mais voltaram a ocorrer com a mesma visibilidade e pujança,
tendo, por minudências políticas, vindo depois a desaparecer. Aqui fica a
sugestão para a criação de um grande espaço institucional que leve às escolas,
ao mundo académico e ao grande público a Sintra da Cultura, à luz da
experiência e evitando os erros do passado, que utilize ferramentas do século
XXI, e envolva a sociedade civil, o mundo empresarial e editorial, a escola e a
academia.