sábado, 29 de novembro de 2014

Contra o jornalismo abutre



A comunicação social é usualmente designada como o quarto poder, com a função de informar e influenciar o debate político, denunciar injustiças e dar voz à opinião crítica e diversificada, espelho da sociedade aberta e contemporânea. Foi através dela que muitos casos foram denunciados e alertas foram lançados, de que cito, só para exemplificar, o caso Watergate na América dos anos 70, e que conduziu à queda de um presidente.

Há porém limites e derivas a que há que estar atento: o simples facto de se escrever um artigo ou um editorial num jornal não dá a certeza da verdade ou da justeza da posição de quem escreve ou fala. Motivados pela obsessão da manchete ou do “furo”, do sensacionalismo ou da necessidade de “vender”, está o jornalismo moderno eivado duma espectacularidade que tende a dramatizar as notícias, quando não a construí-las, sendo a comunicação social muitas vezes quem dita as agendas políticas e não o seu contrário. É precisa uma linha divisória neste universo, e não esquecer que os jornais, as rádios e as televisões têm donos, que são muitas vezes grupos económicos com outros interesses na economia do país ou no desfecho de casos de justiça em que os seus donos e accionistas são muitas vezes parte, impedindo ou desincentivando o jornalismo de investigação que incida em áreas onde os donos desses meios de comunicação social possam vir a ser visados, sejam eles empresários duvidosos, elites africanas ou “testas de ferro” dos negócios.

Há pois que estar atento, cruzar informação e esperar que o contraditório e o cruzamento das fontes seja feito, com respeito pela ética e deontologia profissionais, separando os tycoons da imprensa tablóide em busca de sangue do jornalismo criterioso, informativo e pedagógico a que temos direito.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Salvar o Cinema Odéon


O Cinema Odéon, sito na Rua dos Condes, em Lisboa, data de 1927 e é hoje o cinema com mais história de Lisboa, tendo passado pela sua tela clássicos do mudo e do sonoro, grandes êxitos do cinema português  bem como teatro radiofónico.
O conjunto da sala, com 84 anos, e hoje ao abandono é formado pelo tecto de madeira tropical aparente (único no país e espantosamente intacto depois de 16 anos de abandono); pelo lustre de néons gigantes irrradiantes (peças electro-históricas), que uma longa corrente vertical, comandada do tecto, faz deslizar até ao chão para manutenção; pelo luxuriante palco com moldura e frontão em relevo Art Deco (outro caso único); pela complexa teia de palco, com o seu pano de ferro; e pela série de camarotes, galerias e balcões em andares, tudo isto forma um exemplar assinalável, mais ainda por ser o último do género existente em Portugal.
O Cinema Odéon esteve em vias de classificação como Imóvel de Interesse Público de 2004-2009, altura em que o processo foi arquivado. Neste momento, e não existindo nenhuma classificação municipal, mantém-se apenas a ténue protecção de estar inserido no perímetro de classificação do conjunto da Avenida da Liberdade classificada recentemente Conjunto de Interesse Público.
O Cinema Odéon está fechado e à venda desde meados da década de 90, sendo que por força dessa circunstância e da verificada falta de obras de conservação, as suas galerias metálicas, as suas fachadas (sobretudo a tardoz) e a clarabóia no telhado, necessitam de obras
Em 2011 foi aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, uma informação prévia conducente à transformação do Odéon em centro comercial com estacionamento subterrâneo para automóveis, apontando-se como elementos a preservar o seu tecto de madeira e o frontão de palco, ainda que em local a considerar; tornando assim irreversível a não reutilização do Odéon enquanto cinema e/ou teatro.
Mas o seu futuro e preservação coerente e responsável não se compadece com o aleatório de "manter a cobertura e a fachada" - que uma obra em profundidade, como a que se anuncia (dois pisos subterrâneos!) destruirá inevitavelmente - nem é suficiente essa preservação "da pele", sem o poderoso miolo.
Em Sintra ou noutros lugares, a vigilância em torno do património em risco deve ser activa e permanente!

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O puxão de orelhas do Papa em Estrasburgo


 
Em Estrasburgo, o Papa Francisco encorajou a Europa a voltar à firme convicção dos Pais Fundadores, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do Continente. No centro deste ambicioso projecto político, salientou, estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente, a centralidade da promoção da dignidade humana contra as múltiplas violências e discriminações que não faltaram, ao longo dos séculos. E deixou bem expresso: que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, o trabalho que lhe dá dignidade?

Francisco enfatizou a necessidade de aprofundar uma cultura dos direitos humanos àquele «nós-todos» formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social, salientando que falar da dignidade transcendente do homem significa apelar para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do mal e olhar para o homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. E atacou “esta” Europa, cada vez mais privada de vínculos, de idosos abandonados à sua sorte, jovens privados de referências e oportunidades para o futuro e de imigrantes que na Europa procuraram um futuro melhor,  uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido força de atracção, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições, a que se juntam estilos de vida egoístas e caracterizados por uma opulência insustentável e indiferente ao mundo circundante. Num discurso admirável, o Papa  advertiu que o ser humano corre o risco de ser reduzido à mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo que quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartado sem delongas, como sucede com os doentes terminais ou os idosos abandonados e sem cuidados.

É «a «cultura do descarte» e do «consumismo exacerbado», e que se deve combater. É preciso ter sempre em mente a arquitectura própria da União Europeia, assente sobre os princípios de solidariedade e subsidiariedade, de tal modo que prevaleça a ajuda recíproca e seja possível caminharmos animados por uma mútua confiança. E realçou a necessidade de promover políticas de emprego, e em particular enfrentar a questão migratória, não se podendo tolerar que o Mediterrâneo se torne um grande cemitério.

Uma Europa que gire não em torno da economia mas da pessoa humana, que defenda e tutele o homem, eis o grande desígnio hoje abandonado pelos contabilistas e “mercados” que nos governam. Foi preciso vir um argentino do “fim do mundo” para dizer à Europa que deve arrepiar caminho, e olhar para as pessoas e não para o seu esmagamento e das suas aspirações. Ontem, em Estrasburgo, muitos ali sentados devem ter corado de vergonha. Como agnóstico praticante, subscrevo e digo amén!

domingo, 16 de novembro de 2014

O que se ganhou, afinal, com a união de freguesias?



Passaram quase dois anos desde a fronda das freguesias contra as agregações e “uniões” anódinas promovidas pelo governo através do ex-ministro Relvas (lembram-se?) invocando economias de escala, justiça no reordenamento do território e modernidade, a reboque da troika trauliteira.

Lembro como se realizaram sessões de cidadãos irados, contra a traição à realidade histórica e as decisões nas costas do povo. Lembro de sessões inflamadas em que 19 das antigas 20 freguesias de Sintra juraram nunca aceitar a imposição do poder central absolutista, em nome dos povos e da História, tarefa para a qual igualmente contribuí, participando em sessões públicas e escrevendo em blogues e nas redes sociais.(foto abaixo)


Contra tudo e contra todos, a reforma avançou, e as freguesias foram “unidas”, e passados uns meses, aqueles que prometiam resistir qual Maria da Fonte contra os modernos Cabrais, aceitaram as novas freguesias e esqueceu-se a luta que, quais Nuno Álvares, se havia prometido contra os modernos Andeiros. Ninguém voltou a falar das juntas extintas, aceitaram-se as novas realidades, sem que aparentemente nenhuma verba tivesse sido poupada em pessoal ou em edifícios, como prometido, e aparecessem “uniões” que  o não são, pois substituíram como  realidades ex novo as anteriores freguesias que de forma pura e dura se limitaram a ser extintas.

Seria interessante fazer um balanço da “reforma”, de modo a apurar se se perdeu ou ganhou algo com as alterações verificadas, e se a guerra então alimentada não passou apenas de um medir de forças entre os partidos do poder e da oposição, com a "reforma" autárquica como arma de arremesso.O que se ganhou em poupança, celeridade, eficiência ou proximidade que decorra da reforma e não do voluntarismo ou empenho de muitos autarcas, e que também já existiam no modelo anterior?

Esta reforma atabalhoada mexeu com o Portugal profundo, a sua idiossincrasia e a vontade popular muitas vezes no passado escrita em sangue contra os poderosos, e só um contrato com as populações, de génese democrática poderia  tornar pacífica uma lei que a todos contentasse, por a todos respeitar. Mas, sintoma da anomia social que vivemos, ninguém mais voltou ao tema. Terá Miguel Relvas razão, a título politicamente póstumo?

Penalizadas pelas transferências do OGE, a Lei dos Compromissos, a suspensão de fundos comunitários, as autarquias estrebucham, e S. Martinho, egrégia freguesia de Sintra onde os 30 cavaleiros donatários de Sintra e Gualdim Pais se instalaram depois do foral de 1154, que viu o Chão de Oliva e a Xentra moura, a judiaria e a alpendrada, o Lawrence e o Hotel Nunes, acolheu Ferreira de Castro e escutou Zé Alfredo, acabou engolida por uma decisão administrativa que a ignorou e aviltou. Ficou a mera referência no cabeçalho do papel timbrado, sinal de remorso dos legisladores a soldo.

Urge fazer um balanço das agregações efectuadas, e se efectivamente foram uma mais valia ou apenas um gesto economicista para troika ver, hoje infelizmente fora dos focos mediáticos. Se a sociedade civil e política local para tanto tiver vontade ou interesse.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Sobre o Plano de Pormenor da Abrunheira Norte



O Plano de Pormenor da Abrunheira Norte, ora em discussão pública, visa dotar uma área total de 705.103 metros quadrados de regras e usos distintos ou complementares dos até agora previstos no PDM de Sintra, visando, entre outros, e de acordo com os seus proponentes, rematar o sistema urbano comercial e industrial potenciado pelo IC19 e A16; rematar o sistema urbano residencial da Abrunheira, e qualificar a Área Urbana de Génese Ilegal nº64 (Colónia-Sesmarias), integrando e potenciando a produção do parque de acompanhamento do sistema hídrico superficial, incluindo o projeto de regularização da Ribeira de Caparide/Manique e definindo a morfologia e tipologia de uma ocupação daquele perímetro capaz de acolher atividades multiuso potenciadas pela malha de acessibilidades existente. Recorde-se ser este um Plano "em bolandas" desde 1998, e a zona sensível, na fronteira entre o Parque Natural Sintra-Cascais e uma zona desordenada, misto de unidades comerciais e industriais e habitação clandestina ou edificada sem planeamento.

Na área de intervenção deste Plano existe uma predominância ecológica de tojais e juncais, que se afirma querer preservar, bem como  a futura construção de bacias de amortecimento na ribeira Caparide-Manique. Refira-se que na área do Plano  567.652 m2 são solos urbanos e 137.451 m2 rurais.

Dentro do perímetro de intervenção do Plano inclui-se igualmente a Área Urbana de Génese Ilegal n.º 64, designada Colónia e Sesmarias, podendo, no decurso da execução do plano, ser aceites soluções urbanísticas que correspondam a ajustes ao polígono de implantação máximo, desde que tal se mostre essencial a uma efetiva reconversão urbanística da dita AUGI.

De acordo com o projecto de Regulamento, admitem-se usos não residenciais desde que compatíveis com o uso habitacional, admitindo-se a existência de unidades destinadas a atividades económicas, de dimensão até 30% da edificabilidade total da parcela ou lote, como forma de dinamização do comércio local e dos serviços de proximidade em espaço urbano. A altura máxima de fachada das edificações nos espaços urbanos residenciais será de 6,5 metros, a de serviços e logística  de 7 metros, e a altura máxima de fachada da edificação correspondente ao polígono 053, destinada a turismo, de 12 metros.

Para a concretização dos objectivos do Plano, estão previstos projetos especiais: um parque urbano temático e um parque de recreio e lazer, sendo  delimitadas 4 unidades de execução por forma a assegurar um desenvolvimento urbano harmonioso e a justa repartição de encargos e benefícios pelos proprietários envolvidos, incluindo as áreas a afectar a espaços públicos e equipamentos previstos no Plano.

É certo ser necessário adaptar os instrumentos de gestão territorial às realidades económico-sociais de cada momento, numa salutar tensão entre os princípios e interesses públicos do ordenamento do território e a realidade de uma economia anémica e carente de incentivos para crescer. Nesse jogo de sombras, essencial se torna porém ponderar a possível ameaça que o cerco à serra de Sintra e o impacto visual e urbanístico duma densificação em torno de um projecto comercial, mesclado embora pelo "rebuçado" de um parque de lazer complementar, podem causar numa zona já de si desordenada, paredes meias com um bairro de génese ilegal e atravessada por linhas de água e juncais.

Sem preconceitos contra nenhum projecto específico,saliento contudo, a importância de ouvir as populações, de forma objectiva, e não meramente semântica ou para cumprir calendário, e o apelo a que para lá de qualquer análise SWOT tecnocrática, se ponderem prós e contras sem que a decisão seja dominada pelo conjuntural e efémero, mas pelo estrutural e equilibrado. O território, uma vez impermeabilizado ou modificado, leva anos a regenerar, e a intervenção humana é por vezes suicidária e fatal. Relembre-se, por exemplo, que Massamá e Monte Abraão foram em tempos terras providas de ricos solos agrícolas de classe A, e posteriormente só lá despontaram prédios desordenados e cacofónicos.

O princípio constitucional da proporcionalidade comete à Administração a obrigação de adequar os seus actos aos fins concretos que se visam atingir, adequando as limitações impostas aos direitos e interesses de outras entidades ao necessário e razoável; trata-se, assim, de um princípio que tem subjacente a ideia de limitação do excesso, de modo a que o exercício dos poderes, designadamente discricionários, não ultrapassem o indispensável à realização dos objectivos públicos, assumindo assim três vertentes essenciais:

 - A adequação, que estabelece a conexão entre os meios e as medidas e os fins e os objectivos;

 -A necessidade, que se traduz na opção pela acção menos gravosa para os interesses dos particulares e menos lesiva dos seus direitos e interesses;

 -O equilíbrio, ou proporcionalidade em sentido estrito, que estabelece o reporte entre a acção e o resultado.

Dispõe o nº 2 do artº 266º da Constituição da República Portuguesa:
Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé

 E o artigo 5º nº2 do Código do Procedimento Administrativo:
As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.

Também estes princípios devem ser vertidos e tidos na devida conta por quem planeia, gere e ordena o espaço que é de todos. É tempo duma Democracia do Território que acabe com tratamentos desiguais e com os pseudo-catedráticos do powerpoint , no quadro de um planeamento aberto à evolução sócio-económica do país e do concelho, mas que não esqueça que as pessoas estão primeiro, e se deve ir ao seu encontro e não contra elas, numa pulsão virtuosa em que a participação seja uma pedra angular na construção de modelos de crescimento sustentáveis e escrutináveis. Small is beautiful.

Apenas um apelo: participem e sejam construtivos!.Como escreveu Vitor Hugo, “saber exactamente qual a parte do futuro que pode ser introduzida no presente, é o segredo de um bom governo”.
 


 

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Nos 65 anos do Plano de Gröer

Donat-Alfred Agache, Etienne de Gröer e Luigi Dodi foram alguns dos arquitectos que a convite de Duarte Pacheco trouxeram a Portugal nos anos 30 e 40  novos ideais urbanísticos, entre os quais se destaca o conceito da cidade-jardim, de Ebenezer Howard, em voga por toda a Europa de então.A aplicação prática desses conceitos e a sua adaptação a um contexto territorial especificamente português, constituiu um legado para gerações de urbanistas e arquitectos nacionais.Em 1938 a Câmara de Lisboa, com Duarte Pacheco, contratou o arquitecto–urbanista Étienne de Gröer a definir as grandes linhas de desenvolvimento da cidade.Em finais dos anos 40, o mesmo arquitecto, de ascendência russa, elaborou o Plano de Urbanização de Sintra, aprovado em 11 de Novembro de 1949 e que agora comemora 65 anos.
Gröer percebeu o que tinha em mãos: preservar o casco histórico e acautelar a expansão, mas, ao mesmo tempo reservar zonas para as necessárias actividades económicas, sem as quais se matam as cidades tornando-as obsoletas e amorfas. Foi sobre esse fio de navalha que Sintra viveu desde então, até aos anos 60 pelo menos, respeitando o legado de Gröer. A partir dessa altura, depressa os ventos do crescimento desordenado chegaram a Sintra, como o caos da Portela ou a cacofonia da Estefânea o atestam, e o que era um plano prospectivo, um manual de procedimentos e bíblia de consistência passou a ser usado de forma casuística, usado para indeferir quando as propostas não interessavam ou capciosamente esquecido quando algum mamarracho precisava de avançar. Onde esteve o Plano de Groer quando se construiu o Hotel Tivoli, ou o Departamento de Urbanismo na Portela(era para zona verde…) os caixotes dissonantes da Portela ou o “comboio” de armazéns em Ouressa?. Paradoxalmente, ao não se ter retocado  o plano, sob a falácia de que isso subverteria o ordenamento do centro histórico, mais argumentos se foram dando a quem o considerava ultrapassado, panaceia de  arquitectos antiquados ou esclerosados defensores do património. Corremos grandes riscos: ou em nada mexer, e assim assobiar para o lado num sector que deve ser particularmente acarinhado, mas de forma positiva e pró-activa, ou alterar demais  abrindo a brecha para o cavalo de Tróia do betão (do mau betão, sobretudo) sob a forma rebuscada e politicamente correcta de “mais valia para o turismo” ou da “modernização”. Etienne de Gröer, o franco-russo que um dia veio ordenar Lisboa, Cascais e Sintra, entre outras, viu mais além, e passados sessenta e cinco anos merecia um sucessor à altura. Tê-lo-á?

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Berlim, ou os muros da Europa


O muro de Berlim além de dividir a cidade de Berlim ao meio, simbolizava a divisão do mundo em dois blocos: República Federal da Alemanha (RFA), que era constituído pelos países capitalistas encabeçados pelos Estados Unidos; e a República Democrática Alemã (RDA), constituído pelos países simpatizantes do regime soviético. Construído na madrugada de 13 de Agosto de 1961, tinha 66,5 km de gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes metálicas electrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para ferozes cães de guarda, e era patrulhado por militares da Alemanha Oriental com ordens de atirar para matar (a célebre Schießbefehl, ou "Ordem 101") os que tentassem escapar, o que provocou a morte a 80 pessoas identificadas, 112 ficaram feridas e milhares aprisionadas nas diversas tentativas. Ali passei também em 1980, no Checkpoint Charlie, na esquina da  Friedrichstraße, e pude constatar a divisão de dois mundos, adversos, e de costas voltadas.


A 9 de novembro de 1989, após várias semanas de distúrbios, multidões de alemães orientais subiram e atravessaram o Muro, juntando-se aos alemães do outro lado, numa atmosfera de celebração. Ao longo das semanas seguintes, partes do Muro foram destruídas por um público eufórico e por caçadores de souvenirs. Mais tarde, equipamentos industriais foram usados para remover quase o todo da estrutura. A queda do Muro de Berlim abriu o caminho para a reunificação alemã que foi formalmente celebrada em 3 de Outubro de 1990.
Nos 28 anos da existência do Muro morreram muitas pessoas, sendo a primeira vítima Günter Litfin, baleado pela polícia dia 24 de Agosto de 1961 ao tentar escapar perto da Friedrichstraße. O último incidente fatal ocorreu a 8 de março de 1989, oito meses antes da queda, quando Winfried Freudenberg, de 32 anos, morreu na queda de seu balão de gás de fabricação caseira no bairro de Zehlendorf, quando tentava transpor o muro.
Depois do famoso “Ich bin ein berliner!”de Kennedy, em 1961, em 1987 foi Ronald Reagan quem na Porta de Brandeburgo desafiou o leader da Perestroika russa, Gorbachev , a derrubar o Muro. Ficaram célebres as suas palavras “Mr. Gorbachev, tear down this wall!”
Os ventos de mudança que varreram a Europa naqueles finais da década de 90 chegaram a Berlim e ao seu odiado muro na noite de 9 de Novembro de 1989, depois do dirigente da RDA Günter Schabowski anunciar a decisão do conselho dos ministros de abolir imediatamente e completamente as restrições de viagens ao Oeste. Pouco depois deste anúncio houve notícias sobre a abertura do Muro na rádio e televisão ocidental, e milhares de pessoas marcharam até aos postos fronteiriços e pediram a abertura da fronteira. Nesta altura, nem as unidades militares, nem as unidades de controle de passaportes haviam sido instruídas. Por causa da força da multidão, e porque os guardas da fronteira não sabiam o que fazer, a fronteira abriu-se no posto de Bornholmer Strasse, às 23 h, mais tarde em outras partes do centro de Berlim, e na fronteira ocidental. Muitas pessoas viram a abertura da fronteira na televisão e pouco depois marcharam até à fronteira.
Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental, e houve uma grande celebração na Rua Kurfürstendamm, pessoas que nunca se tinham visto cumprimentaram-se, o Bundestag interrompeu as discussões sobre o orçamento, e os deputados cantaram o hino da Alemanha. Foi um 25 de Abril com décadas de atraso.
O que se seguiu é conhecido: a integração europeia do bloco de leste, o colapso da União Soviética, até chegarmos ao nó górdio de ter de escolher que Europa se quer daqui para a frente. A Europa das Pátrias, como propugnou o general De Gaulle, do Atlântico aos Urais? O federalismo burocrático de Bruxelas capturado pelo autismo financeiro e político alemão? O regresso aos nacionalismos, de que as ameaças do Reino Unido são um indício cada vez mais presente?
O muro caiu, mas outros, invisíveis, se levantaram. Há que tudo fazer para derrubar os muros mentais, esses sim, perigosos e de contornos indefinidos, e debater abertamente se há lugar a uma Europa plural e solidária ou a um mosaico oportunista e cínico que em nome dessa mesma Europa se quer fechar e proteger. Os tempos são de decisões, e de partir os muros invisíveis.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O suave mundo dos blogues de Sintra



Segundo alguns trendsetters (especialistas em novas tendências) o português do futuro caracterizar-se-á por preferir o Skype ao telefone, apostará  num disco rígido ligado à TV, preferirá causas e acções de protesto pontuais, e procurará amigos temáticos fruto de diversidade cultural. As pessoas estarão menos disponíveis para aderir por períodos muito longos a organizações fixas e preferirão actuar por impulso, vincando um individualismo em que é mais estimulante o que se passa na vida de cada um ou do seu núcleo de amigos do que o que se passa na sociedade. Isto coincide com o incremento da Internet e o fim do televisor único em casa, com vários aparelhos por habitação e a possibilidade de pré-escolher os programas e as horas a que passam, fazendo de cada um um programador de televisão.
Neste quadro, a oferta cultural tenderá para ser feita à medida, com um quadro social fragmentado e de nichos onde a visão de bloco tenderá a desaparecer. É a idade do indivíduo em rede, onde partilhar um projecto ou uma mensagem no YouTube ou no MySpace é mais apetecível que as tradicionais reuniões ou rituais da cultura de massas anteriores.

Hoje, já familiares, temos os blogues, esse mundo de silêncio onde virtuais activistas podem impor tendências, divulgar problemas, congregar causas, através da sua difusão, hoje alargada com a promoção permitida pelas redes sociais.
Os  primeiros blogues surgiram em Dezembro de1997, através do conceito de Weblog, criado por Jorn Barger, a partir das palavras “web” (Internet) e “log” (registo). No entanto, segundo Dave Winer, o primeiro weblogue criado foi o primeiro web site, http://info.cern.ch/, criado por Tim Berners-Lee no CERN -European Organization for Nuclear Research. Esta página funcionava como um apontador, no qual Tim Berners-Lee referenciava os novos web sites que iam surgindo na World Wide Web. Posteriormente surgiram as páginas “What’s New” do NCSA- National Center for Supercomputing Applications e da Netscape. Nestas duas páginas “What’s New” já podemos encontrar duas características principais dos weblogues, a datação das entradas e a sua colocação por ordem inversa. Em 1996 e 1997 surgem os primeiros blogues pessoais como o Scripting News de Dave Winer, o Robot Wisdom de Jorn Barger, o Tomalak’s Realm ou o CamWorld.Em 1999, existiam 23 weblogues referenciados. Nesse mesmo ano, Peter Merholz defendeu que se deveria pronunciar “wee-blog”, por se tratar de um meio para comunidades. Este acontecimento acabou por conduzir à utilização “abreviada” da palavra “blog” e à referência do seu editor como o “blogger”.
A partir de 1999, o número de weblogues foi aumentando cada vez mais, sobretudo graças ao aparecimento de novas ferramentas de publicações de conteúdos, como o “blogger” da Pyra, que permitiram que qualquer pessoa, sem ter necessidade de quaisquer conhecimentos de HTML, pudesse ter o seu próprio blogue na Web, com o surgimento das ferramentas dos sistemas baseados na Web, como o Blogger e o Groksoup, lançados pela Pyra em Agosto de 1999.
Os blogues originais eram um misto de links, comentários e pensamentos pessoais. Com a entrada em cena do Blogger, em 1999, começaram a aparecer inúmeros blogues, actualizados várias vezes por dia, cujo tema central não eram os pensamentos do “blogueiro”, mas sim, algo que ele tinha reparado no seu local de trabalho, notas sobre o seu fim-de-semana ou, por exemplo, reflexões sobre um determinado assunto. Os links dentro dos blogues levavam-nos para outros blogues, nos quais havia alguma referência ao tema abordado ou nos quais existia simplesmente também um link para o blogue de partida.
A diferença entre o conteúdo dos blogues originais, anteriores a 1999 e os blogues mais recentes, posteriores ao aparecimento do Blogger, fazem repensar o conceito e conteúdo dos blogues. E suscitam uma nova realidade: a ética e deontologia na comunidade blogueira (ou bloguista?). Não será um paradoxo alargar a comunicação refugiado na penumbra dum quarto ou na solidão de um sotão, clicando para o mundo?
Em minha opinião, são hoje uma importante ferramenta de suporte e congregação de sinergias para causas, valores e regiões. Em Sintra, como em todo o lado, pululam por aí, uns de crítica mordaz, outros de divulgação e outros até de promoção de actividades. Ao fim de alguns anos, e depois de me ter iniciado com o Alagablogue e o Café com Adoçante, a par deste O Reino de Klingsor tenho tentado criar um magazine de opinião através do Sintra Deambulada, neste momento com mais de 360 posts de cerca de 40 contribuidores, salientando-se no panorama local o Rio das Maçãs, do activo e atento Pedro Macieira, http://riodasmacas.blogspot.com/, o Sintra do Avesso http://sintradoavesso.blogspot.com/ do irreverente João Cachado,o Retalhos de Sintra, de Fernando Castelo, http://retalhos-de-sintra.blogspot.com/. Luis Galrão, no seu Tudo sobre Sintra faz a recolha quase exaustiva de todos os que vão surgindo.Sem esquecer Cortez Fernandes, http://tudodenovoaocidente.blogs.sapo.pt/  Vitalino Cara d’Anjo, o Caminheiro de Sintra, e outros. Deontologia, afinidades, fontes ou interesses poderiam ganhar muito com o estreitar desta comunidade, talvez a mais efectiva rede de comunicação social local depois do ocaso da imprensa escrita ou a ausência de uma opinião publicada crítica e interventiva nesse espaço em vias de extinção.