A 8 de Junho de 1945, depois de 35 anos de exílio, a rainha D. Amélia voltava a Sintra e ao Palácio da Pena. Um texto meu, de 2010, em torno de tal visita:
Dum
torreão da Pena, em pé e silenciosa, do alto do seu metro e oitenta, a senhora de cabelo branco e rosto marcado pela vida,
contemplava o vale, verde e húmido.
Chegara
a Portugal dias antes, fumegantes, as armas mal se haviam calado na
Europa em destroços, o governo autorizara e deixara-lhe os
passos livres para a romagem de saudade.
Naquele Junho de 1945, oitenta anos quase cumpridos, Maria
Amélia Luísa Helena de Orleães e Bragança, última rainha de Portugal voltava a peregrinar pelo passado trinta e cinco anos depois da fatídica manhã em que um barco de
pescadores apressadamente a levou para um exílio inesperado.
Uma pequena lágrima correu-lhe pela face, logo enxuta com o lenço de seda, sempre na mão.
Ali vira Carlos pintar desenhos que ela depois sarcasticamente
criticava, para o aborrecer, rira divertida com as traquinices de Luís
Filipe enfiado no uniforme de soldadinho de chumbo, brincara com o Maurice, o grand danois oferta do papá, o velho conde de Paris.
A
Pena suscitava-lhe pena. Ali passara a última noite em
Portugal, escapando à pressa e deixando uma vida interrompida naquela
correria louca para a Ericeira. Estivera em Lisboa e Mafra, Vila
Viçosa não, que as memórias de Carlos eram fortes, amavelmente
declinou.
Pediu
ao Fontão, o antigo motorista da casa real, e que velho e
retirado se oferecera para a guiar na jornada de saudade que a
deixasse a sós meia hora. Passando o arco do tritão, sorriu,
melancólica, lembrando a vistosa recepção ali oferecida a Eddie,
o rei Eduardo VII,grande amigo de Carlos, as camélias na
abegoaria, o povo, pobre e humilde, que a abordava nas bermas de Sintra,
suplicando “monnaie! monnaie!”,num francês arrevesado, na ânsia da esmola caridosa que nunca negava.
Muito
tempo passara, vivia há muito retirada em Versailles com os seus
fantasmas e fotos. O chefe do governo, o dr.Salazar,
oferecera-lhe asilo nos anos da guerra, mas preferira manter-se afastada,
na França ocupada. Depois da morte de Manuel, mais um golpe num
coração dilacerado, saía cada vez menos, fora uma súbita
sensação de proximidade da morte que a levara a procurar os seus
espectros, a ir até eles nos locais onde os deixara. Em sombras via a
sogra, Maria Pia, sarcástica e austera, Luís Filipe, garboso na farda de
Lanceiros, as recepções, os pobres, as flores, e Portugal, país de amor,
ódio, veneração .
Como
ia longe aquele dia em 1886 quando noiva do herdeiro de Portugal a
discreta filha dos condes de Paris, chegara à sua nova pátria e com o pé esquerdo, para dar sorte.
A
sua vida desde cedo manifestara prenúncios de
turbulência, logo no ano seguinte com a morte à nascença da pequena
Maria. O reinado de Carlos desde cedo fora atribulado por
políticos intriguistas, ao que ele reagia
piscando-lhe um olho maroto ou fazendo-se desentendido, sorvendo o
seu cachimbo, e cada vez mais ausente em Vila Viçosa ou Cascais.
Despertada
da letargia, a que o clima de Sintra é favorável, voltou com o Fontão para Lisboa, a ver a reconstituição do iate Amélia que o
Museu da Marinha havia exposto, e percorrer a cidade, que muito mudara
nas mãos de Duarte Pacheco, a Avenida da Liberdade, o Marquês
de Pombal, por todo o lado haviam coisas novas e sinais de modernidade.
Sofrera muito, mas não guardava rancor.
Subindo
a Almirante Reis no carro preto que o Governo lhe destinara, plena de lojas e passantes, perguntou ao Fontão como se chamava aquela rua.
-Avenida D.Amélia,Majestade!.....-respondeu o velho chauffeur sem hesitações, assim fora alguns anos, ela bem sabia.
Sorriu, e cerrou os olhos. Ao longe, uma varina ruidosa apregoava peixe na Praça da Figueira.
Poderia confirmar se o primeiro motorista de automóvel em Portugal teria sido Manuel Ferreira que teria servido a Dona Maria de Orleãs, última Rainha de Portugal entre 189X e 1910 ?
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