segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Ventos de Mudança no ano que aí vem?

Com 2013 a despedir-se, um breve relance pelo ano que agora parte, ano de narrativas, irrevogabilidades, swaps e cagarras, numa lógica depressiva, entre o abismo e a pantomina. De A a Z.
Austeridade- Marcou o ano, apesar de todos reconhecerem não ser a solução, mas ninguém dar o primeiro passo para mudar a política. Em 2014 há mais, e estatísticas a dizer que correu bem o “ajustamento”, e terminou o “protectorado”.
Bruno de Carvalho- Meteu as garras de fora e prometeu fazer o leão rugir de novo. A campanha de Inverno está ganha.
Cristiano Ronaldo- Com Blatter ou sem ele, continua a ser o melhor do mundo. Os suecos que o digam, e os espanhóis também.
Dilma Rousseff- Saciada a fome, o povão tornou-se exigente. Os estádios de futebol podem prenunciar outro estádio de exigência no crescimento brasileiro.Ganhem a Copa ou não.
Edward Snowden- Vícios privados, públicas virtudes. A guerra volta a servir-se fria, num mundo onde todos espreitam pela fechadura.
FMI- Ainda mora aqui. O Diabo veste Prada.
Governo- Associação de malfeitores grandolizados a acompanhar o relógio de Paulo Portas. Será chinesa a pilha?
Hugo Chavéz- Partiu o golpista, voltou como passarinho nos ombros de Maduro( O Nicolás, não o Poiares…). São Che Guevara nos acuda!
Irrevogável- Nova palavra no dicionário, sinónimo de birra de crianças irrequietas
Jorge Jesus- Haverem de ver, em 2014 é que é…
Krugman- Mas porque é que ninguém escuta o homem?
Lou Reed- Partido o poeta do rock, ficou o som duma geração.
Merkel- A austeridade como punição.
Nelson Mandela- Partiu o Elefante, ficou a mensagem. Viva Madiba!
Papa Francisco- Contra a geografia da fome e os vendilhões do templo,
Ramos Rosa- Não posso adiar o coração para outro século.
Selfie- O voyeurismo encontra o narcisismo em milhões de pixels, e o mundo pula e avança, na partilha.
Tribunal Constitucional- Conselho de confiança, misturada com proporcionalidade. Darth Vader espreita, porém…
Urbano Tavares Rodrigues- As letras ficaram órfãs e as causas perderam um militante. Com Ramos Rosa, Mandela ou Lou Reed, é o século XX que parte.
Vitor Gaspar- Merlin voltou a casa, chumbado como feiticeiro. Atenção à bruxa swap!
Xi Jinping- Na China vão nascer mais crianças e o mundo inclina-se para o Pacífico. The Yellow Submarine.
Sentido adeus também aos que povoaram imaginários, fizeram rir ou chorar e duma forma ou de outra tornaram o mundo melhor: Joan Fontaine, Peter O’Toole, Nadir Afonso, Doris Lessing, Luna Andermatt, Óscar Lopes, Manuel Vicente, Mário Murteira, Eduardo Néry, Lucien Donnatt, Fernando Martins, João Rocha, António Rama, Bana, Georges Moustaki, entre outros.
Em 2014 teremos programa cautelar? Portugal brilhará no Brasil? O Sporting será de novo campeão? Findará o conflito na Síria? Venha 2014 e seja o que Deus quiser!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

2014: A Cultura e o prato de sopa



Quase a cair o pano sobre um 2013 que não deixará saudades, a Cultura em 2014 ameaça repetir a anomia do ano que finda, sem verbas e, sobretudo, com a crescente perda de massa crítica que a emigração de arquitectos, bailarinos, músicos e outros origina e a luta titânica dos outros, quase todos precários, ou em vias de precarização, esbracejando para garantir um prato de sopa ou o pagamento da renda. Não há dinheiro, não há palhaços, diz um adágio popular. Nem escritores, encenadores, livreiros, actores e muitos mais. Os teatros de referência fecham, a nova lei do Cinema marca passo, os editores fogem dos escritores sem nome feito, e a Cultura reduz-se a um alegado prato de caviar num acampamento de refugiados.

A falta de soluções a ninguém parece incomodar: o necrófilo e reformado Cavaco, acolhido em seu sarcófago, de quando em quando sai da cripta para uns arrotos de economês, confessando esgotar a sua intervenção nas conversas semanais com o delegado da tríade, o sr. Coelho. Os políticos, falando para os acólitos, gritam baba e ranho pelos telejornais, sem que um laivo de patriotismo os leve a sair da carapaça e pensar em algo que não sejam tácticas partidárias. Dos militares com reumático, sem munições ou blindados, pouco mais há a esperar que reivindicações corporativas, e os sindicatos, arriscam-se um dia a não mais representar trabalhadores, pois serão mais os desempregados que aqueles no activo. Ululante, o povo definha e desiste, fugindo para geografias de esperança, violentamente expulso da pátria, capturada por ciclopes e gárgulas. São vãs as chamadas à unidade e a olhar mais longe que o umbigo, revelador da mesquinha visão da classe política da aldeia, sem sopro de dignidade ou coragem, bastarda filha do clientelismo larvar e da indigência cultural que brutalmente capturou o país nos últimos anos.

Para uma situação de excepção, hajam respostas excepcionais: é tempo do compromisso histórico das forças e cidadãos que ponham o país primeiro, de líderes que peguem num caderno de encargos de salvação nacional e reajam ao estado comatoso em que Portugal sobrevive. O quadro actual está esgotado, e insistir no mesmo, é apressar o abismo, e cometer o crime de ficar para a História como a geração da ruína.

Não se percebe como um país com nove séculos se deixou aprisionar sem reação a uma moeda que lhe suga a população, mina a economia, e onde se vive das promessas duma recuperação que tarde ou jamais virá, tornando os sacrifícios actuais inúteis e as decisões importantes sem eficácia real.

Precisamos de líderes que devolvam a esperança, e para tanto há que construir soluções, dentro e fora do tumefacto parlamento, onde meramente se discute o sexo dos anjos. Os políticos incumbentes provaram não estar à altura da hora que passa, e muito menos os europeus, o patético senhor Rompuy ou o sonolento Olli Rehn, burocratas sem chama para quem Portugal não passa de um enfadonho relatório com números e sem pessoas dentro.

Se assim não for, um longo e tortuoso caminho de penúria e precariedade e a escuridão dum túnel sem fim envolverão este país orfão, e o sopro de esperança que acalentou as gerações que um dia viram a luz da liberdade definitivamente se apagará, para gáudio dos profetas messiânicos e de muitos opinion makers encartados. A turbulência não parece abrandar, e cedo ou tarde a aeronave, comandada por loucos ensandecidos  poderá despenhar-se. Urge aterrar para reabastecimento, mudar a tripulação e procurar porto seguro. Basta de Medo, e para encabeçar tal Exército da Esperança há que contar com os agentes da Cultura, paladinos da Mudança, feridos mas nem todos mortos, ainda.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Minhas recordações da Faculdade de Direito


A Faculdade de Direito de Lisboa celebra este ano 100 anos e tal leva-me a recordar um pouco dos anos que por lá passei, não no velho edifício do Campo de Santana, mas na Cidade Universitária, onde cursei entre 1978 e 1983.

A opção por Direito foi prática- a saída profissional- nessa altura apostado numa carreira diplomática, aliando assim o meu gosto por viajar ao conhecimento e prática de pelo menos 4 idiomas estrangeiros. Pura ilusão. Na verdade o que eu queria era viajar, o que fiz profusamente pelos cinco continentes nos últimos 30 anos, acabando por dedicar a minha actividade profissional à advocacia e posteriormente a uma carreira de jurista autárquico. Em suma, primeiro o Direito Penal, e a saudosa aprendizagem e experiência obtida nos velhos claustros da Boa Hora, e depois, sobretudo, o Direito do Urbanismo, área à qual dediquei mais de quinze anos da minha actividade e que ainda hoje é o meu campo jurídico preferido.
Amante de História e Literatura, por vocação e tradição familiar, o meu contacto imediato com aquele imenso mausoléu que era a FDL, num período em que o fumo do PREC ainda se não dissipara, foi de início inseguro, desfeitas as imagens românticas de advogado à Perry Mason, e passada a ilusão da carreira diplomática. Foi pois um percurso que fiz a par de outras preferências, como o estudo do Italiano, das Relações Internacionais ou a prática do corta mato (quem me conhece hoje não acreditará, eu sei…).
Da Faculdade de Direito desses anos guardo a lembrança de alguns professores, como Marcelo Rebelo de Sousa, com quem fiz exame de Direito Constitucional a hora tardia, 10h da noite, depois de 8h de espera, Sousa Franco, meu professor de Finanças, ou Armando Marques Guedes, um gentleman, que regia Direito Internacional Público e foi o primeiro presidente do Tribunal Constitucional. E outros como Barros Moura, José António Barreiros, Rui Machete (em melhor forma, nesse tempo), Paulo Pitta e Cunha, Leonor e Teresa Beleza, Martim de Albuquerque ou o lendário Soares Martinez, de quem, ao contrário de muitos, guardo boas recordações, pese o seu estilo passadista.
E havia o velho Charneca, contínuo de muitos anos, e os colegas, a quem por aí vou vendo de vez em quando. Lembro Maria José Morgado, activista da esquerda musculada, Assunção Esteves, pouco ou nada loira nessa altura, e monitora de Processo Civil, Vitalino Canas, magrinho, António Vitorino, com cabelo e bigode, e Manuela Moura Guedes, monitora de Introdução ao Direito, ou a Manuela Bravo, do "balão sobe", que venceu um Festival (a que aliás, também concorri, como letrista, em 1976, sem ter sido seleccionado, felizmente.)
Um belo fim de tarde de Setembro de 1983, lá me tornei “doutor”, com uma oral de Direito Internacional Privado, acabando a tomar banho no repuxo do Jardim Constantino, seguido de jantarada na Portugália e a habitual ida ao Jamaica, passando pelo Bora Bora e não só…
Os anos passaram, e só lá voltei 2 vezes. A biblioteca e o bar melhoraram as instalações, alguns colegas dessa época são hoje professores. Contudo, para os alunos de hoje, o futuro já não será como para nós foi, empregados ao fim de 6 meses e encetando algo a que se podia chamar “carreira”, posto o ritual iniciático do estágio e a emoção da primeira vez envergar a toga no “altar” da Boa Hora ou do Palácio da Justiça, cumprimentando ex-colegas magistrados antes companheiros da noite por “Vossa Excelência” e com veemência pedindo a Justiça que outros colegas doutamente ditariam. Lá vão 30 anos já. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

João Afonso Aguiar, a viagem disruptiva





João Afonso Aguiar, meu grande amigo e jovem e promissor jurista, publicou o seu primeiro livro de poesia, Ab Initio de título, se títulos os poemas devem ter, e em breve mas marcante viagem interior nele surpreendemos o pássaro que deixa enfim o exílio e sobre nós esvoaça, cavaleiro sem armadura mas dono do seu castelo, enfim alcançando o seu tangível Parnasso. Vagabundo da palavra no Gólgota das paixões, hibernou em invernos e sonhou verões, urso pardo à espera do seu Norte. E planando sempre, livre, finalmente até nós chegou, marcada que enfim estava a Hora.

Fingidor sem fingimento, invisível peregrino da vida, dos seus poemas irradia luz, a luz que só cegos podem ver, pois maior cegueira não há que a da paixão. De máscara em máscara, patrulheiro de sombras, ei-lo chegado à primeira paragem da perturbante Viagem, para nela sair, lucidamente perdido no desfiladeiro lúdico.

Escreve João, na sua sábia loucura:


“Percorro a pluralidade do pensamento

sozinho

confronto-me com o olhar

aí encontro a minha insanidade

são imagens do que não sou,



Não existo,

não sou o que sou

sou o que sonho”


Revelado poeta, desnudada a alma no papel-confessionário, João Afonso envia a palavra límpida e antes agrilhoada definitivamente ao seu destino, qual origami dos sentidos e paleta de cores em desordem. Contudo, nada atenuará o facto de que cada verso, cada poema, nasce da tirania individual entrincheirada nas verdades e nos mundos individuais, oníricos e febris. O leitor pode nos seus versos descobrir mundos, estados de alma, intenções, disruptivas emoções ou almas gémeas de mundos partilhados, mas só o autor, em segredo, guardará o enigma da escrita, ortónimo de personagens várias. E aí está o eterno e renovado fascínio da escrita e o mistério da leitura. Um grande abraço para o João e o convite a ler este seu primeiro livro. No princípio é o Verbo.Ab Initio.


Ser trágico e imperfeito

sozinho nesta forma de existir,

serei louco até me acomodar no leito

e finalmente na morte poder em paz dormir”


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Nos 80 anos da morte de Chaby Pinheiro




O grande actor Chaby Pinheiro nasceu a 12 de Janeiro de 1873, em Lisboa, e faleceu no Algueirão a 6 de Dezembro de 1933, passam hoje precisamente 80 anos.

Homem culto e de grande inteligência, começou desde cedo a privar com a intelectualidade do seu tempo, com figuras como Fialho de Almeida, Rafael Bordalo Pinheiro e Júlio Dantas entre outros.

Desdobrou-se nas áreas da representação, encenação, da declamação e ensino (foi professor do Conservatório Nacional). 
Iniciou a sua carreira artística na companhia Rosas & Brasão em Outubro de 1896, fazendo parte do elenco da peça"O Tio Milhões"no Teatro Nacional D.Maria II, destacando-se em peças como Teresa Raquin, Sua Alteza ou A Maluquinha de Arroios (em 1916)

Em Dezembro de 1933, estando a convalescer na sua casa no Algueirão,(que ainda existe, felizmente, foto abaixo) o seu barbeiro, seu amigo pessoal e que pertencia à direcção do Clube de Mem Martins, pediu-lhe para recitar numa festa que nessa altura decorreu. E na verdade, tal aconteceu, e no dia da festa lá estava Chaby Pinheiro. Recebido pela assistência, quando se iniciava para recitar, foi acometido por  sintomas de uma congestão cerebral, que o viria a vitimar três dias depois. 


O clube acima citado, foi, desde há muito, baptizado com o nome de Cine-Teatro Chaby em memória deste grande actor morador em Mem Martins. Na avenida onde o Cine-Teatro se encontrava situado, funciona hoje um anódino Atrium Chaby. Já que na arte em que se destacou não se soube homenagear nestes dias sem Memória, lembre-se ao menos o seu talento e obra, que, por ser sobretudo ligado ao teatro, não ficou registado para o futuro. Restam-nos algumas participações cinematográficas, de que salientamos uma no filme  "Lisboa, Crónica Anedótica" de 1930.