quarta-feira, 22 de maio de 2013

Wagner:Revolucionário ou Reaccionário?


Passam hoje 200 anos sobre a data em que nasceu em Leipzig Richard Wagner, magistral compositor do século XIX e autor entre outros de O Anel dos Nibelungos,  O Navio Fantasma ou Tristão e Isolda, obras primas dum espírito a que se convencionou chamar de arte total, Gesamtkunstwerk. Ícone da cultura alemã e europeia, fundador do teatro e festival de Bayreuth, nele confluem várias das contradições que fazem e enriquecem esta nossa maneira de ser europeus, o espírito revolucionário e inovador, o conservadorismo de costumes, o sol das grandes utopias e as sombras sobre o Outro ou o Diferente.
Os primeiros anos da vida de Wagner mostram-no como um jovem ardente e idealista. Em 1848, no mesmo mês em que Marx e Engels publicam o Manifesto do Partido Comunista, estoira em França a revolução que depõe Luís Filipe. Um ainda jovem Wagner fica entusiasmado pelos ideais revolucionários, e  a música passa para segundo plano. Nesse ano, Bakunine, o conhecido anarquista russo, refugia-se em Dresden, e  cria uma estreita amizade com Wagner. Nessa época, este sonhava com a criação de uma nova sociedade alemã, na qual o Volk encontraria expressão numa nova cultura. Movido por esses ideais, entra para o Vaterlandsverein, partido fundado em Março de 1848 para lutar pelo estabelecimento da democracia, e em Junho, junta-se à Guarda Comunal Revolucionária e publica dois poemas revolucionários e um artigo. No primeiro desses poemas, Gruss aus Sachsen an die Wiener (Saudações Saxãs aos Vienenses) saúda os austríacos, por terem forçado o imperador a fugir, e incita os saxões a seguirem-lhes o exemplo. No segundo, Die alte Kampf ist's gegen Osten (A Velha Luta é contra o Leste) clama por uma cruzada contra a Rússia reaccionária. Em Maio de 1849 publica um artigo anónimo no Volksblätter intitulado "A Revolução". Era um texto altamente inflamatório, glorificando os ideais revolucionários, e apesar de anónimo, ninguém pareceu ter dúvidas quanto à sua autoria.
A 1 de abril Wagner rege uma apresentação pública da Nona Sinfonia de Beethoven, e no final da apresentação, Bakunine levanta-se, na plateia, aperta a mão de Wagner e diz bem alto, para que todos oiçam que, se toda música que já foi escrita se perdesse na conflagração mundial que estava para acontecer, essa sinfonia pelo menos teria que ser salva.
Em Maio de 1849 o rei da Saxónia recusa as exigências dos democratas e ordena a dissolução da Guarda Comunal. Numa reunião extremamente exaltada que se seguiu nessa tarde, os membros do Vaterlandsverein decidem oferecer resistência armada às autoridades, contando com a participação activa de Wagner. Corre a casa do tenor Tichatschek e persuade a esposa deste a entregar-lhe as armas que o marido guardava em casa, e a seguir vai inspeccionar as barricadas, quando tropas prussianas estão já a caminho da cidade a fim de esmagar a revolução. Wagner toma posse das impressoras do Volksblätter e manda imprimir panfletos revolucionários, ao mesmo tempo que envia o seu amigo Semper inspeccionar as barricadas e comprar granadas. Wagner passa a sexta-feira 4 de Maio com Bakunine. No dia seguinte as primeiras tropas prussianas entram em Dresden, quando há lutas pela cidade toda. Wagner sobe à torre da Kreuzkirche, utilizada pelos rebeldes como ponto de observação, e de lá lança mensagens atadas a pedras a Heubner e Bakunine, líderes da revolta, sobre os movimentos das tropas inimigas.Passa a noite na torre, sob bombardeio contínuo das tropas prussianas, E no dia seguinte escapa, vai até casa e parte com a mulher, Minna, para Chemnitz, para a deixar em lugar seguro, voltando depois para o centro dos acontecimentos. Em Dresden havia luta casa a casa, e na Câmara, ocupada pelos rebeldes, os rebeldes estavam desanimados e exaustos após seis noites sem dormir. Wagner vai para Freiberg em busca de reforços, mas antes que possa voltar a Dresden, a revolução é esmagada. Junta-se a Heubner e Bakunine, a caminho de Freiberg, e sugere que montem um governo provisório em Chemnitz. Nessa noite, Wagner e Bakunine dormem no mesmo sofá, porém, quando Wagner acorda de manhã, Bakunine e Heubner já tinham fugido. Wagner corre então para junto de Minna, e abandona o país.
Bakunine e Heubner  foram condenados à morte (depois comutada em prisão) e Wagner viu-se obrigado a passar onze anos fora da Alemanha, voltando à sua arte de sempre, a música.
Noutra fase da sua vida, em 1868, já reconhecido e conhecido das Cortes europeias (a de Luís da Baviera, em particular) trava amizade com Nietzsche, então professor de filologia em Basileia, que passa a frequentar assiduamente a sua casa de Tribschen, na Suiça. A relação com Nietzsche é muito especial na vida de Wagner, já que Nietzsche era seu admirador e via nele a possibilidade de promover uma cultura superior, de total afirmação à vida. No entanto, essa relação especial acabou em mútua desilusão, na medida em que Nietzsche passou a desacreditar a cultura como forma de emancipação e a perseguir outra ética de existência.
Fortemente nacionalista, a obra de Wagner inspira o espírito alemão, sobretudo com o grito de batalha de Brünnhilde, e com as palavras de Wotan denn wo kühn Kräfte sich regen, da rat' ich offen zum Krieg ("Quando poderes audaciosos se enfrentam, eu geralmente aconselho a guerra"), momento da estreia em que o público todo se levanta e aplaude, transformando o espectáculo numa verdadeira demonstração de chauvinismo germânico, mais tarde amplamente promovido pelo III Reich, de que a nora de Wagner foi entusiasta e seguidora.
Richard Wagner escreve também alguns ensaios anti-semitas e por essa razão, a sua imagem é por vezes distorcida, pelo facto de o nazismo o ter tomado como exemplo da superioridade alemã, contrapondo-o a músicos como Mendelssohn, que era judeu. O ensaio mais polémico foi Das Judentum in der Musik, publicado em 1850, no qual ataca a influência dos judeus na cultura alemã, e na música em particular. Nessa obra descreve os judeus como: "ex-canibais, agora treinados para ser agentes de negócios da sociedade". Segundo Wagner, os judeus corrompiam a língua do país onde viviam há muitas gerações, e a sua natureza tornara-os incapazes de penetrar a essência das coisas. A crítica é dirigida particularmente a Giacomo Meyerbeer e Felix Mendelssohn, compositores que além de judeus, eram seus rivais. Nessa época, Wagner insiste em que os judeus que viviam na Alemanha deviam abandonar o judaísmo e integrar-se totalmente na cultura alemã.
Há algumas análises controversas sobre obras suas, como Parsifal e Die Meistersinger von Nürnberg, segundo as quais algumas personagens seriam caricaturas anti-semitas, muito embora não haja referência explícita aos judeus em nenhuma ópera de Wagner, nem menções sobre o judaísmo em textos seus. Segundo esta interpretação, Kundry e Klingsor em Parsifal, por exemplo, serão claramente anti-semitas. Contudo, estudiosos do período antes da Segunda Guerra Mundial, como Max Heindel, fazem outra análise. Segundo eles, a maior parte das óperas de Wagner são parábolas para ilustrar alguns mistérios do cristianismo sob uma óptica esotérica, e sem relação alguma com ideias anti-semitas. Em Parsifal, por exemplo, Klingsor e o seu jardim mágico representarão a natureza inferior do ser humano, contra o qual Parsifal, o protagonista inocente e casto, deve lutar. Kundry será o símbolo do corpo físico, que ora serve os ideais superiores do Graal, ora serve o símbolo do mal, Klingsor. A passagem em que Parsifal cai em tentação, beija Kundry e depois sente as feridas causadas em Amfortas por Klingsor, representará o homem quando adquire a virtude em detrimento da inocência, que só pode ser alcançada quando este vence a tentação e passa a discernir o bem do mal.
Qual novos Amfortas dos tempos modernos, cá continuaremos neste reino, ainda de Klingsor, e nesta data, particularmente, escutando o Mestre, e relembrando, como Leibnitz, que apenas nos devem interessar os actos humanos não para os aplaudirmos, ou deplorá-los, mas, tão só, para os compreendermos. Wagner: Revolucionário? Reaccionário? Apenas e simplesmente, um génio…


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