Para que servem as empresas municipais, pergunta-se e debate-se por estes dias. Em primeiro lugar, qualquer empresa municipal deve antes de mais ser isso mesmo: uma empresa, e não qualquer disfarce jurídico. Devem pois extinguir-se aquelas que não são mais do que serviços administrativos municipais mascarados, e, sobreviverem apenas se gerarem lucros sem subsídios ou indemnizações compensatórias. As empresas municipais que subsistam devem dispor de uma gestão profissional, não devem acolher clientelas partidárias e devem obrigar-se a entregar os lucros aos municípios, para além de manterem e valorizarem o património que têm sob a sua responsabilidade.Cumprindo estes critérios, pensa-se que o actual sector empresarial municipal ficará reduzido a menos de dez por cento, sendo que pelo menos 200 empresas municipais, metade das que existem actualmente, não caberão nos novos critérios aprovados para o sector empresarial local, no qual os municípios terão de demonstrar a necessidade da existência dessas empresas, sua necessidade no futuro, e seu impacto nas contas do município.
Do ponto de vista conceptual, as empresas municipais têm como objecto a exploração de actividades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional e a gestão de concessões, sendo proibida a criação de empresas para o desenvolvimento de actividades de natureza exclusivamente administrativa ou intuito predominantemente mercantil, não podendo ser criadas ou participadas empresas cujo objecto social não se insira no âmbito das atribuições da autarquia, o que, de forma encapotada, infelizmente ocorre com frequência. Quando a Constituição estabelece, no seu artigo 235.º, n.º 2, que as autarquias locais visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas e fornece fundamento constitucional para a actividade económica das mesmas, na medida em que se insira nos interesses próprios das suas populações, pode até admitir-se que cabe aos municípios o direito de intervenção em tal matéria, a qual decorre do disposto nos artigos 254.º (participação dos municípios nos impostos directos) e 257.º (carácter subsidiário das regiões administrativas em relação aos municípios), uma vez que as autarquias dispõem de uma competência universal nos limites dos seus territórios, cabendo-lhes também participar na realização do Estado social, consagrado nos artigos 1.º e 2.º da Constituição. Mas esse princípio do Estado social, ao mesmo tempo que fundamenta a intervencão municipal, deve também ser compatibilizado com uma ideia de subsidiaridade da intervenção das autarquias na economia. Muito embora tal actividade empresarial possa visar a prossecução do princípio social e se integre no âmbito da garantia constitucional da autonomia local, o mesmo já não sucede com a actividade económica visando o lucro, uma vez que faltará aí o requisito da prossecução do interesse público. Este mesmo entendimento parece obter confirmação através do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, quando proíbe a criação de empresas municipais para o desenvolvimento de actividades de «intuito predominantemente mercantil».
A iniciativa económica municipal deve assentar em 3 vectores: a prossecução do interesse público, o princípio da subsidiaridade e o princípio da territorialidade. O que importa é escolher entre empresas municipais submetidas à concorrência, relativamente às quais os pressupostos da prossecução do interesse público e da territorialidade deixarão de fazer sentido, e empresas municipais actuando fora do mercado, integralmente submetidas a tais pressupostos. Fará sentido a criação de empresas actuando em concorrência, ultrapassando os limites da actividade económica dos municípios?
No caso das empresas actuando em concorrência real, o interesse público da respectiva actividade económica deve ser permitido apenas desde que da aplicação dos ganhos provenientes de tal actividade seja promovido um interesse público, bem como deve ser exigido que às aludidas empresas não seja permitido obter qualquer vantagem que a um concorrente privado não seja também possível conseguir, uma vez que deve ser o mercado a decidir qual a empresa mais apta a prestar um serviço ou a fornecer um bem.
É necessário salientar que os municípios quando estruturam a sua actividade empresarial, isso não equivale a equiparar o direito de escolha de uma actuação segundo as leis do mercado ao direito a exercer uma actividade económica privada, em termos semelhantes aos que se oferecem aos privados. Deve somente admitir-se alguma flexibilidade na concretização dos pressupostos da actividade empresarial dos municípios, e é aí que se joga a pertinência do sector empresarial local.
Entre os pressupostos da actividade económica dos municípios avulta a exigência de esta ser orientada para a prossecução do interesse público, a qual se deve ter por verificada com a inclusão da actividade em causa no âmbito das atribuições dos municípios, tal como definidas pelo legislador, e a sua recondução à exploração de actividades de interesse geral, a promoção do desenvolvimento local e regional ou a gestão de concessões.Tal actividade deve corresponder a uma actividade susceptível de ser desenvolvida em regime de mercado, não podendo consistir numa actividade de natureza exclusivamente administrativa, mas não pode igualmente ter um intuito predominantemente mercantil.
Cabe, assim, perguntar em que medida pode uma empresa municipal visar o lucro, em virtude do número crescente de opiniões que sustentam dever ter-se por verificado um interesse público através da simples obtenção de receitas capazes de desonerar o erário municipal. O problema deste entendimento é que, levado às últimas consequências, deixaria de ser possível estabelecer limites à actividade económica dos municípios, e estes passariam a actuar livremente como quaisquer privados.Neste sentido, o propósito do lucro só pode ser admitido desde que não prejudique o interesse público directamente visado com a criação da empresa municipal, em todos aqueles casos em que seja exercida uma actividade económico-social justificada por um motivo de interesse público. Simplesmente, isso não equivale a exercer essa mesma actividade com um exclusivo propósito lucrativo.
Será também de admitir uma actividade lucrativa quando esta sirva de apoio a uma actividade não económica, bem como será de admitir um lucro a propósito do aproveitamento de recursos económicos que permaneceriam, de outro modo, improdutivos. Grosso modo, as autarquias devem pautar-se por um princípio de subsidiaridade de intervenção, e isso significa fazer depender a justificação da criação ou manutenção de uma empresa municipal da circunstância de o objectivo pretendido não poder ser melhor e mais eficientemente prosseguido através da iniciativa privada, atentas as leis da concorrência.
Em Sintra, sem que um debate alargado sobre estes conceitos e opções tenha tido lugar, prepara-se a criação de uma sociedade de gestão e reabilitação urbana integrando diversas empresas municipais com dois cenários, alternativos. Seja a fusão da EDUCA, HPEM e SintraQuorum e a celebração de um contrato de gestão delegada dos SMAS, sendo a fusão da EDUCA, HPEM e SintraQuorum e a celebração do contrato de gestão delegada dos SMAS, a extinção da Fundação Cultursintra e a cedência da exploração da Quinta da Regaleira a uma nova entidade, assegurando a manutenção de todos os postos de trabalho e os direitos e obrigações das sociedades incorporadas, destacando um estudo encomendado como aspectos positivos a futura criação de serviços partilhados em áreas transversais, com redução de fornecimentos e serviços externos na ordem de 1 milhão de euros/ano (em contabilidade, advogados, publicidade, electricidade, água, rendas e limpeza), um processo de tomada de decisão mais rápido e acesso facilitado a fundos comunitários, bem como maior eficiência ao nível do IVA. Subsiste porém o debate de fundo: carece a prossecução do estado social e a autonomia do poder local se ver de forma empresarialisada a prossecução de tarefas que, ou são serviços administrativos ou são da esfera da economia real, desvirtuando a concorrência? Onde está fundamentado o princípio da subsidiaridade e a necessidade das actuais empresas enquanto tal? Como quase sempre, pouco se discutiu ou virá a discutir, sob a pressão do calendário da troika que subverte a democracia e impõe uma realpolitik de facto consumado e máquina de calcular.
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