O tenente Milhazes não sabia o que
pensar, chamado a averiguar o roubo dum carro perto do Chalé Biester, uma busca
na adega conduzira ao baú com a reluzente peça de ourivesaria, a PJ fora
chamada. O inspector Caldeira, da Unidade de Cooperação Internacional pasmou,
especialista em furtos de arte, reconheceu ali um tesouro raro e precioso:
-Então, inspector, que me diz? -sondou
o tenente, curioso.
-Ou me engano muito, ou há aqui
coisa da grossa, tenente -discorreu, observando a peça - nada mais
nada menos que um dos famosos ovos Fabergé!
O chalé, construído em 1890 na
estrada da Pena por Ernesto Biester, comerciante de origem alemã radicado em
Portugal, estava há tempos encerrado, o tenente Milhazes apenas recordava a vez
em que a GNR fora requisitada para regular o trânsito, quando Roman Polanski ali
rodara cenas de “A Nona Porta", normalmente os donos estavam fora.
-Os Ovos Fabergé são
obras-primas da joalharia, e foram criados para os czares da Rússia. Veja, tem uma
combinação de esmalte, metais e pedras preciosas. Normalmente escondiam
surpresas e miniaturas oferecidas na Páscoa entre os membros da família
imperial. Valem uma fortuna! -o ovo era efectivamente deslumbrante, peça
única.
-E como terá vindo aqui parar?
Já contactámos o representante do proprietário, desconhecia a existência deste
baú, deve ter sido posto ali recentemente.
-Ou guardado à espera de quem
o viesse buscar…-discorreu o inspector, congeminando pistas prováveis.
Levado para Lisboa, o ovo foi examinado por um perito em ourivesaria, Agatão
Prazeres, que escancarou os olhos à vista da raridade:
-Inspector, tem aqui um
tesouro! É efectivamente um Fabergé! E passou a explicar:
-Fabergé e os seus ourives
desenharam e construíram o primeiro ovo em 1885, para o czar Alexandre III, foi
um presente de Páscoa para a czarina Maria Feodorovna. Por fora, parecia um ovo
de ouro esmaltado, mas ao abri-lo, tinha uma gema de ouro com uma galinha
dentro, que por sua vez continha um pingente de rubi e uma réplica em diamante
da coroa imperial. Assim como uma matrioska, está ver...-explicou,
entusiasmado, analisando a peça com uma lupa. Ela ficou tão impressionada
que o czar passou a encomendar um ovo todos os anos, na condição de ser sempre
original, e conter uma surpresa. Cinquenta ovos imperiais foram produzidos para
os czares Alexandre III e Nicolau II, e outros membros da nobreza russa.
-E este é autêntico?
-Puríssimo, veja. Prata, ouro,
platina, combinados em proporções variadas, a fim de produzirem diversas cores.
Além de usar uma técnica de esmaltagem plique-à-jour, assim como pedras
preciosas. Só existem cinquenta e sete, mas oito estão desaparecidos e
desses só há fotos de dois. Depois da revolução russa, a casa Fabergé foi
nacionalizada pelos bolcheviques, os palácios saqueados e os tesouros removidos
por ordem de Lenine. No tempo da guerra, Estaline vendeu vários, e pensa-se que
catorze ovos deixaram a Rússia nessa altura. Uns terão sido comprados por
Armand Hammer, um milionário americano que foi amigo pessoal de Lenine, e
outros por Emanuel Snowman, um antiquário de Londres, mas não é seguro!
Contactada a Interpol e trocadas
fotos, efectivamente confirmava-se a falta de oito ovos, o de Sintra poderia ser
um deles. Mas, curiosamente, o FBI informava que o ficheiro de Armand
Hammer mencionava uma passagem por Portugal em 1942,e ficara alojado em
Sintra, vigiado pela PIDE portuguesa, a inédita amizade com os russos
aconselhava cuidados. Vasculhado de novo o baú, Caldeira detectou uma pequena
inscrição em cirílico, na base. Mas como teria ido o ovo ali parar? O
caseiro garantia que um mês antes não havia nada no local, só lá iam homens da
imobiliária para mostrar o chalé, que estava à venda. O ovo, entretanto, ficava
apreendido, a embaixada russa sabedora do achado arrogava direitos, mas o
governo português alegava serem necessárias mais averiguações.
O inspector matutou vários dias no
caso, e chamou o homem da imobiliária ao local, para saber quem tinham
sido os interessados na aquisição da quinta:
-Vieram uns árabes, que
gostaram, mas acharam pequeno, queriam salões maiores, o André Jordan, e…ah já
esquecia, esteve cá o José Mourinho com uns barbudos - Nuno Duarte,
mediador da Relux, agência especializada em casas de gama alta, tinha a venda
do Biester a seu cargo -Para aí há um mês. Eram dois. Até pediram
para meter o carro cá dentro, um Ferrari amarelo, lembro bem.
-E eles estiveram sempre
consigo?
-Sim, sim…não, espere, houve
um que pediu para usar a casa de banho, demorou um pouco, mas só isso.
-E mostraram interesse pela
casa?
-Acharam muito húmida,
disse um deles ao Mourinho, mas tinham um amigo que gostava muito de Sintra e
que viria daí a um mês a negócios em Portugal. Aliás, agora que fala, lembro
que na agência marcaram uma visita para a semana. Um momento! -pegou no
telemóvel e ligou para o escritório, confirmava-se. - Exacto! Sergei
Borosov, vive em Londres habitualmente.
-Fazemos o seguinte: quando
ele vier eu venho também, como se fosse da agência, ok?
Nuno encolheu os ombros, que
fosse, o negócio dele era outro. No dia aprazado lá surgiram dois russos num
carro de vidros foscos, com mini bar lá dentro, Nuno e o inspector mostraram os
interiores, obra de Manini, o mesmo da Regaleira, e Borosov mostrou interesse,
uma off-shore das ilhas Caimão compraria. O que guiava o carro pediu
se podia ver a adega, e aí Caldeira aguçou os ouvidos. A adega estava vazia, os
russos, desconfiados, entreolharam-se, perguntando pela garrafeira, um quanto
alterados já. O telemóvel de Caldeira tocou entretanto, da central chegavam
informações recentes:
-Sim…sim…óptimo! Obrigado,
Sandra, hoje pago eu o almoço!
Terminada a chamada, segredou a
Nuno que fechasse o portão discretamente, e dirigiu-se aos russos que discutiam
na adega:
-Polícia Portuguesa! Estão
presos, façam o favor de me acompanhar! -explicou em inglês, sacando a
arma dum coldre atrás das calças. Os russos, surpreendidos, olharam um para o
outro e ensaiaram uma fuga, um disparo para o ar arrefeceu as intenções, Nuno
travara-lhes o carro com o dele, ao fechar o portão:
-Então, inspector, que
descobriu? -o agente imobiliário exultava a brincar aos detectives.
-O russo que veio ver a casa
com o Mourinho é neto dum agente do KGB, que nos anos quarenta entregou a
Armand Hammer o ovo Fabergé que Estaline secretamente lhe vendeu. Por azar,
ainda em vida, Hammer confidenciou-lhe ter escondido o ovo em Portugal, em
local seguro, e identificou o sítio. O tipo que veio com o Mourinho tem
dinheiro enfiado no Real Madrid, seguiu as indicações do avô, que lera o
conteúdo da carta para Estaline, e descobriu o ovo numa prateleira da
adega, no local referido na carta de Hammer, só que não teve tempo de o levar
quando pediu para usar a casa de banho, originaria suspeitas. Mandou então este
amigo fazer a recolha, a coberto dum suposto interesse na compra do chalé. Daí
só estar ali há poucos dias, pronto para levar.
Como sempre, lindo!!!
ResponderEliminarCoragem para o 2013...
Abraço!
Silvestre Brandão Félix