quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Os trinta cavaleiros de Sintra



“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amen. Aprouve-me, a mim Afonso, Rei dos Portugueses, filho do Conde Henrique e da Rainha Teresa e neto do Rei Afonso, e a minha mulher, Rainha Mafalda, filha do Conde Amadeu, dar-vos, a vós que habitais em Sintra, da classe superior ou da inferior e de qualquer ordem que sejais, e a vossos filhos e descendentes, carta irrevogável, de direito, estabilidade e serviço.”. Assim começou Mestre Alberto, tabelião régio, a carta de foral que Afonso Henriques outorgava à vila de Sintra. Deixada uma trintena de cavaleiros no castelo donde os mouros haviam debandado, vinha agora uma delegação da vila prestar vassalagem e saber que ordenava el-rei para a antiga praça moura. D. Afonso anuiu, e à audiência assistiram Pelagio Zapata, Gonçalves de Sousa, Pedro Fernandes e o arcediago de Lisboa, Sancho Moniz Egas. Por sua vontade lhes dava trinta casais, um para cada família, por direito hereditário e sem tributo a Lisboa, também a habitual parte em seara ficaria dispensada. Pelagio Zapata, mestre em leis, aconselhava sobre as melhores regras para a aplicação da justiça:
-Senhor, acertado será que para os que vossas leis não acatem tenha a justiça pesada mão: não passe homicídio ou violação de mulher sem que quem tais crimes cometer pague dez morabitinos, metade para vossa majestade, metade para o queixoso. E quem assaltar a casa alheia, que pague sessenta soldos, metade para el-rei e metade para o queixoso. Quem ferir outrem com lança, espada ou faca, cinco morabitinos, metade para el-rei e metade para o queixoso. Quem viver amancebado com mulher séria, um morabitino. E quem ferir ou espancar outra pessoa, receba dez varadas. Sábio será também que quem brigar com armas e, tendo ido a tribunal não se emendar ao fim de três vezes, tenha a casa derrubada. Proponho que no foro de Sintra haja seis juízes no julgamento de homicídios, e três nos outros.
D.Afonso, agasalhado com uma pele, dado o frio de Janeiro, anuiu com a cabeça, Sintra como sentinela do Tejo, carecia de bons cavaleiros, leais mas recompensados:
-Honrados sejais, nobres cavaleiros, mas um conselho vos dou: quem se servir de armas sem razão dentro da vila, há-de perdê-las; mas se questões houver entre vós, não se julgue o pleito pelo foro de Sintra no que respeita ao elmo e à loriga, mas apenas quanto ao escudo e à clava. E não entre lá homem de outra terra: tal o recado que mande, tal lho mandem a ele, igual por igual; e seja a sua caução ou fiança de um soldo, se houver junta ou destrinça.
A Gonçalves de Sousa, senhor de Lamego, chamou a atenção o enorme número de mouros forros trabalhando nas várzeas de Almargem, também aí convinha a mão real chegar:
-Curial será, senhor, que peões que lavrem com um só boi paguem um sexto de trigo e cevada, e se lavrarem com dois ou mais, entreguem um quarto, entre trigo e cevada, por alqueire do mercado. Justo será também que se pague um puçal de vinho a tirar de cinco quinais. O rei, pouco dada à lavoura, mandou Mestre Alberto escrever:
-Que se lavre como ordem real: quem lavrar com bois, não pague tributo por qualquer ganho. Caçador que apanhar cervo ou caça do género com laço ou armadilha, entregue meio lombo, e se for porco, uma costa. O batedor de coelhos, que entregue uma vez por ano três coelhos, com suas peles. Ao colhedor de mel selvagem, que entregue uma vez por ano meio alqueire do que tiver colhido. Pague por ano o sapateiro um soldo, o ferreiro ferre um cavalo, o mercador e o peleiro, paguem um soldo cada! Mestre Alberto sorriu, com os anos Afonso aprendia a ser rei, menos dado a correrias atrás dos mouros, forte na justiça e a pensar nos cofres.
Peres Ramires, dos de Sintra, chamou a atenção sobre os limites das terras sob alçada régia. Pelágio Zapata avançou com uma proposta: desde Almosquer, pela vertente e outeiros, servindo de limite um caminho público em Cabriz, até ao monte, e dessa vertente pelos outeiros ao limite de Cheleiros, seguindo daí até ao rio em Galamares. Aos cavaleiros de Sintra, aquartelados no Arrabalde, agradava, assim ficaria. A D. Afonso importava o concurso dos homens de armas, os cavaleiros deveriam combater uma vez por ano no exército, e estar disponíveis para pelejar. 
Respeitosos, ajoelharam. O Conquistador lavrada a carta, apôs o selo real, bem como a rainha, na presença dos confirmantes: Pedro Pelágio, príncipe de Lisboa, Afonso Mendes, de Coimbra, e Rodrigues Pelágio, de Santarém. Era o dia 9 de Janeiro de 1192 da era de César. (* 1154 da era de Cristo)
Retirando para os aposentos, molestado por dores, sequela de pelejas antigas, D. Afonso saudou os trinta, um a um, e mandou-os em paz. Os mais próximos repararam que coxeava duma perna. Virando-se para Peres Ramires, esboçou umas palavras finais:
-Lavrada fica a palavra do rei. E se alguém desfizer este contrato, com Satanás seja excomungado!
No dia seguinte, e na posse do precioso foral, os trinta de Sintra volveram ao Arrabalde, como sempre envolto em neblina, e agora terra d'el-rei. Logo mais, irmãos templários se juntariam no termo, desde o cabeço da serra e estendendo-se até ao mar, uma nova ordem nascia e em harmonia. Por muitos anos, cristãos, marranos e mouros, haveriam de ver crescer as hortas e, destros, caçar gamos na serra.

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