Passos chegou para jantar, sendo recebido em S. Caetano à
Lapa pelos fiéis, cantando hossanas e a Nini dos 15 anos.
Ufano, convidou os mais chegados para uns jaquinzinhos,
em tempo de crise convinha não abusar de carne. Contudo, antes do
jantar, premonitório, predisse que nessa mesma noite seria traído por um dos seus. Todos se
entreolharam, admirados. Ao servir o presunto comentou: "Tomai e comei todos, este saiu-me do lombo".
Logo após, e em sinal de brinde, ergueu o copo de Reguengos e disse: "tomai e bebei todos, este é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança,
por vós emborcado para comemoração dos meus feitos”. À mesa, os doze
correligionários celebraram, apenas Vítor Gaspar, preocupado, via a taxa do
vinho, 13º em dez minutos subiriam o juro mais recalcitrante. Falava Passos ao
telefone com o acólito Relvas, quando, ruidoso, chegou ao local o Corpo de
Intervenção. Mal pousou o telemóvel, para ver o que se tratava, logo Portas, repentino, lhe
deu um beijo, de soslaio. Surpreendido, e sem reacção, olhando ora Gaspar, ora
os polícias, foi algemado, ante o olhar incrédulo dos convivas. Marques Mendes,
em bicos de pés, bem tentou chegar ao comandante da força, para lhe explicar
que cometia um grave erro, aquele era o Primeiro dos Primeiros, Senhor da Lapa
e Guardião de S. Bento, mas nada, havia ordens expressas para o prender. Infiltrado,
Portas prometera denunciá-lo a Pôncio Cavaco, o Governador de
Belém. Em troca, seria embaixador na OCDE, precisava de descanso, e nada como
Paris, longe da crise e da dívida. “Eis o
vosso homem”, apontou Portas, assim vingando a TSU e o Orçamento de 2013. Era
séria, a coisa.
Levado ao Parlamento, reunido de emergência, sentado e algemado na bancada do governo, vários deputados o
cercaram, quais chacais. Inquisitorial, António Seguro, com ar sério, abriu o
interrogatório:
-Sabemos, Primeiro
dos Primeiros, que contra nossa vontade negociaste um novo pacto com a
valquíria Angela. Quem te mandatou, depois dele aqui ser chumbado, nos idos de
Março?
-Sim -Manuela
Ferreira Leite, carinhosamente tratada como“a Bruxa Velha”, quase lhe enfiou um
dedo num olho- eu bem avisei…- e
virando-se para Pacheco, o filósofo de serviço, buscou neste apoio: - avisei, não avisei?….
Passos pasmava com este autêntico golpe de estado. Quis
chamar apoios, mas com o fim-de-semana prolongado, estavam todos no Algarve, a
discutir os cortes na Manta Rota. Altivo, manteve-se calado, um simples
telefonema e despacharia a oposição, tonitruante mas inofensiva, já assim fora
com o deposto Sócrates. Enganava-se, porém, pois dali, os líderes sublevados levaram-no a Belém, à
presença de Pôncio Cavaco, que se deliciava comendo um pedaço de folar. Acusaram-no
de trair o país, e pactuar com os teutões, e anunciar milagres onde outros viam défices. Pôncio, hesitante, ainda pensou
enviá-lo de presente a Ângelo Correia, mas este, ouvido ao telefone, devolveu-o
a Cavaco. Era de praxe libertar um prisioneiro por ocasião da Páscoa. Cavaco
alinhou Passos e um burlão de nome Oliveira e Costa, o “Robin dos Bosques dos
ricos” na escadaria do palácio, e pediu à multidão que escolhesse qual dos dois
devia ser libertado. A turba voltou-se contra Passos, e escolheu o velho,
pelo sim pelo não, podia ser que pagasse a dívida do BPN- Banco de Pagamentos
Nocturnos. Então, lavando as mãos, Cavaco entregou-o para ser julgado, num
interrogatório conduzido pela vestal Ana Drago. A Passos, enfiaram umas orelhas
de burro, e ao pescoço, pendurada, uma cenoura de papel. A seguir, forçaram-no
a carregar três pesados caixotes, com memorandos da troika até ao morro de Massamá, onde a Drago o
esperava já, vingadora.
Lá chegado, e bastante combalido, sentaram-no numa cadeira,
cruéis, negaram-lhe farófias, e o bom servo Moedas. Com um foco de luz sobre si,
Ana Drago atacou:
-Diz-me, tu a quem
chamam Primeiro dos Primeiros, são ou não verdadeiras todas as acusações que
te fazem: é verdadeiro ou não o negócio da TAP com o barão da droga? e o ordenado milionário do Borges? e o
curso relâmpago do Relvas?? e a derrota do Sporting? e aquela vez que o Daniel
Oliveira falhou comigo na cama, alegando
cansaço? Não vale a pena negar, nós sabemos tudo!- os lábios, carnudos, pareciam
jorrar sangue, o professor Marcelo, a um canto, assistia deleitado, lendo
quatro livros de cada vez. Já o pior parecia ter passado, sempre mandando
que se calasse antes que pudesse responder, quando cruel, Louçã, de túnica
negra e gadanha na mão, avançou com a sentença, votada a 60 cêntimos mais IVA:
como castigo por negociar com a troika sem
autorização parlamentar, a demissão, e o exílio nas Berlengas, sem cachupa nem
Moedas. Antes de o levarem, levantou os olhos ao Céu e suspirou:
-Angela, Angela,
porque me abandonaste?
O Novo Primeiro dos Primeiros, empossado no Domingo de
Páscoa, foi o usurário Goldman Borges, que depois de apear o retrato de Passos,
pôs o país a pão e água, e instituiu a semana de 166 horas, com duas de
descanso, para compras no Pingo Doce. Álvaro Santos Pereira foi martirizado,
engolindo de um fôlego dezenas de pastéis de nata, a Vítor Gaspar atiraram aos leões. Diz
quem ouviu que as suas últimas palavras foram a pedir desculpas ao felino, com
toda a delicadeza, por ter tão pouca carne para eles comerem.
Do exílio, Passos tentou voltar, com a ajuda de Carlos Abreu
Amorim, fiel entre os fiéis, mas debalde, o bote que este arranjou voltou-se,
com o peso, e ambos sucumbiram nas águas do Atlântico. Pescadores que no local
passaram na ocasião, com ironia viram ir ao fundo aquele que ao povo prometera
afogar em impostos, ao serviço dos tubarões, e, sozinho acabou afogado pela inépcia
duma baleia laranja.
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