Foi hoje publicada no Diário da República a Lei 25/2012 que legisla sobre a figura do testamento vital.
Por “testamento vital” entende-se um documento, escrito por
uma pessoa na plena posse das suas capacidades de decisão, no qual são
apresentadas instruções sobre o que um médico pode ou não fazer, quando o
subscritor do documento não estiver em condições de exercer a
sua autonomia e o seu direito ao consentimento, após
informação sobre o seu estado de saúde e sobre o que o médico lhe propõe para a
tratar.
Fica claro que, neste documento, a pessoa tipifica, com
maior ou menor rigor, os tratamentos que supõe que o médico lhe irá aplicar em
futuras situações de doença, em que ela não possa ser informada e decidir. Por
exemplo por estar em coma, não podendo receber uma informação médica correcta
para poder decidir, dando ou não o seu consentimento. Por faltar esta
informação actual sobre a situação real, decidir sobre uma hipótese de doença e
uma hipótese de tratamento, envolve os maiores riscos para a pessoa. Pode
admitir-se que a pessoa, se pudesse ser informada da real situação em que de
facto se encontra, a sua decisão seria diferente da que está no tal testamento.
É também evidente que a redacção deste documento indica que
a pessoa que o escreve não tem confiança na capacidade de o médico avaliar bem
a sua situação e tomar a decisão mais adequada para proteger o seu melhor bem.
Que pode ser, em alguns casos, interromper tratamentos fúteis ou inúteis e
ajudar a pessoa, com o cuidado paliativo, a viver o seu processo de morte, com
a maior dignidade.
Esta desconfiança não tem, em geral, qualquer justificação.
Os médicos já sabem, hoje, reconhecer os limites do esforço terapêutico, sabem
avaliar com rigor a possibilidade de cura do paciente e, na sua imensa maioria,
dão aos doentes terminais os cuidados paliativos adequados a cada situação. As
Unidades de Cuidados Intensivos praticam um trabalho
útil, racionalmente avaliado e eticamente ponderado, pelo
que devem merecer a maior confiança dos cidadãos. Ao legislar em Portugal, como
sucedeu em alguns países europeus, a legislação tem de tomar em consideração os
aspectos mais delicados das pessoas que decidem elaborar um destes documentos.
Desde as formas de garantir que a declaração é autónoma, bem consciente e bem informada
e que não há pressões externas que enviesem a decisão, até uma disposição clara
sobre a impossibilidade de usar o testamento para tentar impor, ao médico, a
prática da eutanásia ou do suicídio assistido, a lei terá de estabelecer, de
forma juridicamente segura, que o médico vai tomar em consideração o que está
escrito no testamento.Mas deveria ficar igualmente escrito que é ele quem tem a
última palavra sobre o que vai, ou não, fazer à pessoa que está a seu cargo.
Com testamento ou sem testamento, quando um doente não está em condições de
receber a informação e de dar, ou não, o seu consentimento, é ao médico que
deveria caber a responsabilidade de decidir segundo as boas práticas clínicas.
Na prática médica moderna e mais actualizada, a decisão terapêutica é um acto
científico, não é um mero palpite do médico, particularmente nas situações de
muita gravidade. Conflituando uma opinião actualizada e científica do médico e
uma vontade anterior expressa num documento face a um quadro que poderia não ter
sido aquele que se depara ao médico no momento de avaliar e intervir, o que
deverá eticamente prevalecer?O testamento vital pode ter-se justificado no
passado. Mas o progresso da ciência clínica pode torná-lo potencialmente
perigoso para os doentes. A teleologia da lei deve ser sempre a defesa da vida
humana, ou o seu fim com humanidade. A ver vamos.
Sem comentários:
Enviar um comentário